Paleoíndios em São Paulo: nota a respeito do sítio Caetetuba, município de São Manuel, SP.

TRONCOSO, Lucas de Paula Souza 1; CORRÊA, Ângelo Alves 2 & ZANETTINI Paulo Eduardo 3

1. Zanettini Arqueologia / PPGArq, Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo. Av. Valdemar Ferreira, 526 – 05501-000 – São Paulo – SP – Brasil. Email: lucastroncoso@hotmail.com
2. Centro de Ciências da Natureza, Universidade Federal do Piauí. Avenida Universitária - lado ímpar – Ininga-64049550 – Teresina - PI – Brasil. Email: angeloaac@yahoo.com.br
3. Zanettini Arqueologia. Av. Valdemar Ferreira, 526 – 05501-000 – São Paulo – SP – Brasil. Email: diretoria@zanettiniarqueologia.com.br

 

 

Resumo:

O sítio arqueológico Caetetuba, localizado no município de São Manuel, região central do Estado de São Paulo, apresentou datações calibradas entre 9.245 e 11.080 AP, o que o coloca entre os sítios com ocupações de caçadores-coletores mais recuadas no interior de São Paulo. São apresentados resultados preliminares sobre o acervo escavado, destacando algumas hipóteses delineadas a partir dos resultados obtidos.

Palavras-chave: Paleoíndio; Arqueologia Preventiva; São Paulo.

Abstract:

Caetetuba archaeological site, located in the municipality of São Manuel, central region of São Paulo State, presented calibrated dates between 9,245 and 11,080 BP, which places it among the oldest hunter-gatherer sites from the interior of São Paulo state. We present some preliminary results concerning the recovered artifacts, we also highlight some hypotheses drawn from these results.

Keywords: Paleoindian; Preventive Archaeology; São Paulo

 

1. Introdução

O objetivo deste trabalho é oferecer uma primeira síntese dos resultados alcançados pelo Programa de Resgate Arqueológico e Educação Patrimonial – Áreas de Expansão da Usina Açucareira São Manoel S/A., desenvolvido nos municípios de São Manuel, Botucatu, Pratânia, Areiópolis e Igaraçu do Tietê, estado de São Paulo, voltado ao licenciamento de áreas de expansão de lavoura da Usina Açucareira São Manoel S/A[i].

Dentre os quatorze sítios arqueológicos alvo de estudos, contamos com o sítio Caetetuba, localizado no município de São Manuel, apresentando, em estratos mais profundos, datações calibradas entre 9245 e 11.080 mil anos, por meio de C14. O objetivo deste trabalho é apresentar algumas considerações preliminares a respeito deste sítio.

2. Localização e descrição do sítio Caetetuba

O sítio arqueológico Caetetuba está localizado na coordenada central UTM 22 K 755708 7495484 (Datum: WGS 84), em área marcada por cultivo de cana-de-açúcar, estando afastado cerca de 20 metros do córrego Araquazinho, no município de São Manuel (Figuras 1 e 2). A implantação do sítio se dá em área de baixa vertente, em terreno marcado por morros de topografia suave e formação de terraços junto à margem direita do córrego Araquazinho, recobrindo uma área com 26.505,83 m2, e atingindo profundidade de até 1,90 metros. 

O sítio arqueológico Caetetuba apresenta artefatos líticos íntegros e fragmentados, incluindo pontas bifaciais, confeccionadas em silexito e apresentando grande variabilidade morfológica; artefatos plano-convexos, elaborados em arenito silicificado; percutores em quartzito, além de produtos de debitagem. Tal conjunto permite uma análise satisfatória das cadeias operatórias relacionadas a esses artefatos.

Description: G:\Kvasir Publishing\Palaeoindian Archaeology\First Issue\Troncoso et al\Figuras\Figura_2.jpg

Figura 1. Indicação da localização do sítio Caetetuba às margens do córrego Araquazinho, município de São Manuel, SP. Desenho: Gabriela Farias.

 

Description: C:\Users\Lucas\Desktop\CORRECAO CAETETUBA\Figuras\Figura_1.jpg

Figura 2. Localização do sítio Caetetuba, município de São Manuel, SP. Desenho: Gabriela Farias.

 

3. Atividades realizadas

A primeira atividade desenvolvida buscou identificar os vestígios dispersos em superfície de modo a delimitar a área do sítio, apontando as porções marcadas por concentração de artefatos. A partir da execução desta atividade foi possível a realização de dezenove (19) eventos de coleta aleatória de artefatos localizados em superfície junto a diferentes áreas do sítio Caetetuba. Uma vez definidas as zonas de concentração de vestígios, projetou-se sobre a área do sítio malha ortogonal regular, com 20 metros de equidistância entre os pontos projetados, totalizando cento e trinta e cinco (135) pontos. Cada um dos pontos projetados representa uma quadra de coleta de superfície, apresentando 25 m² de área (5 x 5 metros), visando a coleta sistemática dos vestígios em superfície. No interior de cada uma das quadras implantadas, mais precisamente em sua extremidade nordeste, foi aberta uma tradagem manual, com 0,3 metros de diâmetro, e profundidade variando entre 0,3 e 1,50 metros, dependendo das condições do solo no local, a fim de verificar a presença de vestígios em subsuperfície, conforme indicado na Tabela 1:

Tabela 1. Tabela síntese das tradagens realizadas no sítio Caetetuba.

Denominação

Status da Intervenção

Coordenada UTM
(Datum: WGS84)

Profundidade Final (cm)

T 001

Tradagem Negativa

22 K 755688 7495559

70

T 002

Tradagem Negativa

22 K 755708 7495559

70

T 003

Tradagem Negativa

22 K 755728 7495559

70

T 004

Tradagem Negativa

22 K 755648 7495539

70

T 005

Tradagem Negativa

22 K 755668 7495539

70

T 006

Tradagem Negativa

22 K 755688 7495539

110

T 007

Tradagem Positiva

22 K 755708 7495539

150

T 008

Tradagem Negativa

22 K 755728 7495539

80

T 009

Tradagem Negativa

22 K 755748 7495539

100

T 010

Tradagem Negativa

22 K 755628 7495519

90

T 011

Tradagem Negativa

22 K 755648 7495519

110

T 012

Tradagem Negativa

22 K 755668 7495519

120

T 013

Tradagem Negativa

22 K 755688 7495519

120

T 014

Tradagem Negativa

22 K 755708 7495519

110

T 015

Tradagem Negativa

22 K 755728 7495519

110

T 016

Tradagem Negativa

22 K 755748 7495519

110

T 017

Tradagem Negativa

22 K 755768 7495519

110

T 018

Tradagem Negativa

22 K 755788 7495519

110

T 019

Tradagem Negativa

22 K 755628 7495499

100

T 020

Tradagem Negativa

22 K 755648 7495499

110

T 021

Tradagem Negativa

22 K 755668 7495499

70

T 022

Tradagem Negativa

22 K 755688 7495499

120

T 023

Tradagem Positiva

22 K 755708 7495499

150

T 024

Tradagem Negativa

22 K 755728 7495499

110

T 025

Tradagem Negativa

22 K 755748 7495499

110

T 026

Tradagem Negativa

22 K 755768 7495499

110

T 027

Tradagem Negativa

22 K 755628 7495479

110

T 028

Tradagem Negativa

22 K 755648 7495479

110

T 029

Tradagem Negativa

22 K 755668 7495479

110

T 030

Tradagem Negativa

22 K 755688 7495479

110

T 031

Tradagem Negativa

22 K 755708 7495479

110

T 032

Tradagem Negativa

22 K 755728 7495479

110

T 033

Tradagem Negativa

22 K 755748 7495479

110

T 034

Tradagem Negativa

22 K 755768 7495479

110

T 035

Tradagem Negativa

22 K 755788 7495479

110

T 036

Tradagem Negativa

22 K 755628 7495459

110

T 037

Tradagem Negativa

22 K 755648 7495459

110

T 038

Tradagem Negativa

22 K 755668 7495459

60

T 039

Tradagem Negativa

22 K 755688 7495459

110

T 040

Tradagem Negativa

22 K 755708 7495459

110

T 041

Tradagem Negativa

22 K 755728 7495459

110

T 042

Tradagem Negativa

22 K 755748 7495459

110

T 043

Tradagem Negativa

22 K 755768 7495459

110

T 044

Tradagem Negativa

22 K 755788 7495459

110

T 045

Tradagem Negativa

22 K 755808 7495459

110

T 046

Tradagem Negativa

22 K 755828 7495459

110

T 047

Tradagem Negativa

22 K 755848 7495459

110

T 048

Tradagem Negativa

22 K 755868 7495459

110

T 049

Tradagem Negativa

22 K 755628 7495439

110

T 050

Tradagem Negativa

22 K 755648 7495439

110

T 051

Tradagem Negativa

22 K 755668 7495439

110

T 052

Tradagem Negativa

22 K 755688 7495439

110

T 053

Tradagem Negativa

22 K 755708 7495439

30

T 054

Tradagem Negativa

22 K 755728 7495439

30

T 055

Tradagem Negativa

22 K 755748 7495439

110

T 056

Tradagem Negativa

22 K 755768 7495439

110

T 057

Tradagem Negativa

22 K 755788 7495439

110

T 058

Tradagem Negativa

22 K 755808 7495439

110

T 059

Tradagem Negativa

22 K 755828 7495439

110

T 060

Tradagem Negativa

22 K 755848 7495439

110

T 061

Tradagem Negativa

22 K 755868 7495439

30

T 062

Tradagem Negativa

22 K 755628 7495419

80

T 063

Tradagem Negativa

22 K 755648 7495419

100

T 064

Tradagem Negativa

22 K 755668 7495419

110

T 065

Tradagem Negativa

22 K 755688 7495419

110

T 066

Tradagem Negativa

22 K 755708 7495419

110

T 067

Tradagem Negativa

22 K 755728 7495419

110

T 068

Tradagem Negativa

22 K 755748 7495419

110

T 069

Tradagem Negativa

22 K 755768 7495419

110

T 070

Tradagem Negativa

22 K 755788 7495419

110

T 071

Tradagem Negativa

22 K 755808 7495419

110

T 072

Tradagem Negativa

22 K 755828 7495419

110

T 073

Tradagem Negativa

22 K 755848 7495419

110

T 074

Tradagem Negativa

22 K 755868 7495419

110

T 075

Tradagem Negativa

22 K 755628 7495399

110

T 076

Tradagem Negativa

22 K 755648 7495399

110

T 077

Tradagem Negativa

22 K 755668 7495399

110

T 078

Tradagem Negativa

22 K 755688 7495399

110

T 079

Tradagem Negativa

22 K 755708 7495399

110

T 080

Tradagem Negativa

22 K 755728 7495399

110

T 081

Tradagem Negativa

22 K 755748 7495399

110

T 082

Tradagem Negativa

22 K 755768 7495399

110

T 083

Tradagem Negativa

22 K 755788 7495399

110

T 084

Tradagem Negativa

22 K 755808 7495399

110

T 085

Tradagem Negativa

22 K 755828 7495399

110

T 086

Tradagem Negativa

22 K 755848 7495399

110

T 087

Tradagem Negativa

22 K 755868 7495399

110

T 088

Tradagem Negativa

22 K 755628 7495379

110

T 089

Tradagem Negativa

22 K 755648 7495379

110

T 090

Tradagem Negativa

22 K 755668 7495379

110

T 091

Tradagem Negativa

22 K 755688 7495379

110

T 092

Tradagem Negativa

22 K 755708 7495379

110

T 093

Tradagem Negativa

22 K 755728 7495379

110

T 094

Tradagem Negativa

22 K 755748 7495379

60

T 095

Tradagem Negativa

22 K 755768 7495379

110

T 096

Tradagem Negativa

22 K 755788 7495379

110

T 097

Tradagem Negativa

22 K 755808 7495379

110

T 098

Tradagem Negativa

22 K 755828 7495379

110

T 099

Tradagem Negativa

22 K 755848 7495379

110

T 100

Tradagem Negativa

22 K 755868 7495379

110

T 101

Tradagem Negativa

22 K 755628 7495359

100

T 102

Tradagem Negativa

22 K 755648 7495359

110

T 103

Tradagem Negativa

22 K 755668 7495359

110

T 104

Tradagem Negativa

22 K 755688 7495359

110

T 105

Tradagem Negativa

22 K 755708 7495359

110

T 106

Tradagem Negativa

22 K 755728 7495359

110

T 107

Tradagem Negativa

22 K 755748 7495359

110

T 108

Tradagem Negativa

22 K 755768 7495359

110

T 109

Tradagem Negativa

22 K 755788 7495359

110

T 110

Tradagem Negativa

22 K 755808 7495359

110

T 111

Tradagem Negativa

22 K 755828 7495359

110

T 112

Tradagem Negativa

22 K 755848 7495359

110

T 113

Tradagem Negativa

22 K 755868 7495359

110

T 114

Tradagem Negativa

22 K 755608 7495479

110

T 115

Tradagem Negativa

22 K 755608 7495499

110

 

Cabe destacar que da totalidade de pontos projetados para as quadras de coleta, foram realizados efetivamente cento e quinze (115), uma vez que vinte (20) dos pontos projetados não puderam ser implantados em virtude de incidirem sobre áreas de terreno alagado, às margens do córrego Araquazinho. Desta forma, tais pontos foram alvo de inspeção visual de superfície, em um raio de 3 metros a partir do ponto projetado (Figura 3).

Do total de cento e quinze (115) quadras realizadas, dezessete (17) apresentaram resultado positivo para a presença de vestígios arqueológicos. Por sua vez, apenas duas (2) das cento e quinze (115) tradagens executadas apresentaram vestígios em profundidade.

Description: C:\Users\Lucas\Desktop\CORRECAO CAETETUBA\Figuras\revisadas\SITIO CAETETUBA_5.jpg

Figura 3. Atividades realizadas no sítio Caetetuba (Zanettini Arqueologia 2016).

 

Diante dos resultados alcançados com a realização das coletas de superfície e tradagens, foi possível identificar o padrão de distribuição e concentração dos materiais arqueológicos. A fim de avaliar e entender o comportamento em subsuperfície do sítio foram implantadas unidades de escavação (UE) em distintas porções do sítio, tanto em áreas onde foram identificadas concentrações de vestígios em superfície, quanto em áreas menos densas. As dimensões das unidades de escavação variaram entre 1 x 1 metro e 3 x 3 metros, apresentando profundidade entre 0,3 e 1,90 metros (Figura 4). As unidades foram escavadas por níveis artificiais, de 10 cm, a partir do emprego de instrumentos tais como pás, enxadas e colher de pedreiro. Todo o sedimento proveniente das escavações foi avaliado cuidadosamente por meio da utilização de peneiras com malha de 2 mm, permitindo, dessa forma, a recuperação dos vestígios líticos identificados.

Description: G:\Kvasir Publishing\Palaeoindian Archaeology\First Issue\Troncoso et al\Figuras\Figura_4.JPG

Figura 4. Vista da Unidade de Escavação 1 (UE1),  implantada no sítio Caetetuba (Zanettini Arqueologia 2016).

 

Destacamos que foram realizadas três (3) unidades de escavação. A primeira delas, a UE1, foi aberta a partir de tradagem onde se identificou vestígios em profundidade (Tradagem T-07). Desta forma, a UE1 abarcou uma área ampla, com dimensão final de 3 x 3 metros, alcançando 1,90 metros de profundidade e apresentando alta concentração de vestígios até 1,80 metros de profundidade.

Por sua vez, a segunda unidade de escavação (UE2), com dimensão de 1 x 1 metro e 30 centímetros de profundidade, apresentou resultado negativo para a presença de vestígios arqueológicos.

Finalmente, a terceira unidade de escavação (UE3), com dimensão de 1 x 1 metro e 60 centímetros de profundidade, apresentou resultado positivo para a presença de vestígios arqueológicos, apesar de terem sido observados nesta UE apenas dois (2) fragmentos líticos.

A estratigrafia do sítio arqueológico Caetetuba apresenta três camadas sedimentares, sendo a primeira (superior), uma camada areno-argilosa, fina, friável, de coloração marrom escura (7,5YR - 3/4), com 40 centímetros de espessura; a segunda camada apresenta características semelhantes, com variação de coloração para o marrom-claro, sendo marcada por maior densidade de vestígios arqueológicos (5YR - 3/4), com 60 centímetros de espessura; finalmente, a terceira camada apresenta sedimento areno-argiloso, fino, friável, de coloração marrom avermelhada (7,5YR - 2,5/3), observada a partir dos 100 centímetros de profundidade (Figura 5).

Description: G:\Kvasir Publishing\Palaeoindian Archaeology\First Issue\Troncoso et al\Figuras\Figura_5.jpg

Figura 5. Perfil estratigráfico observado junto a Unidade de Escavação 1 (Zanettini Arqueologia 2016).

 

4. Análise dos artefatos líticos e discussão preliminar

Em linhas gerais, a cultura material proveniente das ações de coleta de superfície e escavações no sítio em questão legou-nos uma coleção de 3.473 fragmentos e artefatos, cuja análise evidencia aspectos relevantes das cadeias operatórias relacionadas à sua produção.

O sítio Caetetuba apresenta uma série de características que permite inseri-lo nas discussões sobre os processos de ocupação inicial do continente americano. Mais do que isso, através da cultura material evidenciada podemos tecer considerações sobre os limites das classificações em tradições e conhecer as possíveis relações com os sítios de outras regiões, relacionados a ocupações durante a transição Pleistoceno-Holoceno. Este sítio apresenta a maior quantidade de vestígios líticos entre os 14 sítios alvo dos estudos do Programa em escopo, evidenciando, também, uma maior profundidade cronológica. Foram datadas duas amostras de carvões associados estratigraficamente aos artefatos, utilizando a curva de calibração SHCAL13, obtendo-se os intervalos de tempo limitados em 11.080 e 9.015 AP, conforme indicado na Tabela 2:

Tabela 2. Datações obtidas para o sítio Caetetuba, provenientes de amostras da Unidade de Escavação 1.

Nível

Material

Tipo

Código Laboratório

Data Convencional

Calibração 2 sigma

100-110 cm

Carvão

C14

BETA-436336

8,210 ± 30 AP

Cal a.C. 7295 até 7225 (Cal AP 9245 até 9175)   Cal a.C. 7190 até 7065 (Cal AP 9140 até 9015)

150-160 cm

Carvão

C14

BETA- 436337

9,590 ± 30 AP

Cal a.C. 9130 até 8985 (Cal AP 11080 até 10935)  Cal a.C. 8930 até 8775 (Cal AP 10880 até 10725)

 

Conforme apontado, a cronologia obtida coloca o sítio Caetetuba entre os sítios mais antigos do estado de São Paulo, indicando sua relevância quanto às discussões sobre os processos de ocupação inicial do Brasil. No tocante a esta periodização pode-se dizer que, de certa forma, a cultura material recuperada e analisada condiz com a de outros sítios deste período, como por exemplo, os sítios Alice Boër, Abrigo Sarandi, Brito, Camargo, Almeida, Boa Esperança II e São Manoel 5 (ver: Becker 1966; Beltrão 1974; Caldarelli 1983, 2001/2002; Documento Antropologia e Arqueologia 2002; Miller Jr. 1968, 1969, 1972; Morais 1980, 1999/2000; Palestrini 1975; Santos 2011, 2014; Vilhena-Vialou 1983/1984). O sítio Caetetuba apresenta distribuição vertical de vestígios por quase dois metros de profundidade, o que poderia indicar a possibilidade de um longo período de ocupação ou períodos curtos com reocupações sucessivas.

Com base nos atributos verificados no âmbito das análises, os vestígios apresentam as mesmas características tecnológicas ao longo de todo o perfil estratificado, incluindo as peças em superfície, fato que, em conjunto com a distribuição quantitativa de artefatos por níveis, conforme exposto no gráfico a seguir, nos sugere que a ocupação (ou ocupações) teria se dado entre 11.080 e 9.175 AP (datas calibradas), periodização que coincide com a maior quantidade de artefatos entre os níveis 100 e 160 cm (figura 6). Os vestígios abaixo e acima destes níveis parecem ser oriundos de mobilização por fatores pós-deposicionais.

Uma periodização de quase dois mil anos, conforme observado no sítio Caetetuba, pode parecer muito extensa para os padrões conhecidos para grupos caçador-coletores. Contudo, parece estar de acordo com modelos de mobilidade cíclica dentro de um território (Butzer 1982; Binford 1991; Hirooka 1997; Lanata 1993; Macarthur & Pianka 1966; Politis 1996; Zarur 1987), apresentando, portanto, indícios de que um mesmo grupo detentor de uma tradição cultural específica dominou por um longo período esta região, podendo ser caracterizada pelo controle dos recursos e força contra possíveis invasões de outros grupos.

As características tecnológicas do sítio Caetetuba são também muito peculiares e bem marcadas, permitindo considerações a respeito dos modelos sobre as indústrias líticas no Brasil. Nos gráficos a seguir apresentamos uma síntese com as principais porcentagens relacionadas às escolhas tecnológicas observadas na indústria lítica do sítio Caetetuba[ii]. Para tanto nos ateremos apenas às maiores porcentagens, uma vez que este sítio é de extremos e as maiores porcentagens são sempre superiores a 70%, deixando pouco a falar sobre os demais itens de cada categoria. Cabe destacar que as peças que compreendem o universo em destaque são provenientes tanto de escavações quanto de coletas de superfície, conformando um acervo total composto por 3.473 vestígios, conforme já apontado. Os números que compõem o conjunto de artefatos ilustrado nos gráficos a seguir podem ser observados nos campos de cada uma das categorias apresentadas.

Figura 6. Quantidade de artefatos por nível, provenientes da Unidade de Escavação 1 (UE1).

 

Com relação às matérias-primas, temos a preponderância da escolha por arenito silicificado, que totaliza quase 79%, sucedida por silexito, com apenas 19% (figura 7). Apesar de o arenito silicificado ser uma matéria-prima abundante na região do sítio, sabemos pela coleção que os habitantes também tiveram acesso a boas fontes de silexito. Contudo, o arenito silicificado foi a matéria-prima utilizada para a confecção da maior parte dos artefatos, incluindo instrumentos plano-convexos finamente adelgaçados por percussão macia e pressão. A sua vez, o silexito utilizado parece, em sua maioria, muito mais relacionado à produção das pontas bifaciais identificadas, já que todas, sem exceção, foram elaboradas nesta matéria-prima.

Por sua vez, no que diz respeito ao suporte utilizado para a confecção dos artefatos confeccionados, é notada a ausência de córtex em 93% dos vestígios analisados (figura 8). Tal característica aponta para o fato de as primeiras etapas das cadeias operatórias estarem acontecendo em locais distintos daqueles escavados, possivelmente fora da área do sítio, podendo ser entendida como uma estratégia de captação de recursos, onde os núcleos e/ou pré-formas eram trabalhados inicialmente nas fontes de matéria-prima, sendo apenas sua finalização realizada na área do sítio Caetetuba. Este tipo de característica pode nos apontar para uma classificação do sítio como sendo uma área de habitação.

Figura 7. Matéria-prima presente na coleção do sítio Caetetuba.

 

Figura 8. Quantidade de córtex identificada na coleção do sítio Caetetuba.

 

A dedução de que os artefatos eram finalizados na área do sítio é reforçada pela presença de 70% de lascas, sobretudo por 28% de resíduos de lascamento (figura 9). A técnica de lascamento hegemônica foi o lascamento unipolar, com 94% (figura 10).

Figura 9. Classe identificada na coleção do sítio Caetetuba.

 

Figura 10. Tipo de lascamento na coleção do sítio Caetetuba.

 

Predominantemente se identificou nas lascas unipolares estigmas associados à percussão dura direta, originando nas lascas bulbos e pontos de impactos bem marcados. Um número menor de lascas, entretanto significativo, apresentou estigmas de lascamento por percussão macia, seja por morfologia característica ou pela presença de cornija acentuada no bulbo. O lascamento com percutor macio fica muito evidente apesar de em número muito reduzido de lascas com estes estigmas. A morfologia dos talões é preponderantemente em meia-lua ou linear, e em muitas lascas se percebem cicatrizes das retiradas de lâminas muito delgadas na face externa. Os pontos de impacto são inexistentes apesar de notarmos na face interna as ondas e bulbo ou cornija que denunciam sua localização. Percebe-se ainda que em algumas lascas há esmagamentos nos cantos dorsais das plataformas de percussão, que poderiam sugerir o uso dos percutores de arestas para reforçar as plataformas de percussão. Alguns instrumentos como pontas de projétil bifaciais e artefatos plano-convexos adelgaçados apresentam negativos de retirada rasantes e penetrantes. Há indícios suficientes para indicar o uso de percutores macios, provavelmente orgânicos. Além disso, lascas muito finas e longas, de perfil helicoidal, apesar de não apresentarem cornijas, podem também ser atribuídas ao uso de percussão macia para etapa de adelgaçamento de instrumentos lascados. Estas lascas de adelgaçamento apresentaram características típicas de serem as que finalizaram o instrumento produzido já que são lascas “mais planas e menos espessas” (Prous 2004: 42).

Finalmente, cabe apontar que dois típicos instrumentos líticos se destacam na coleção do sítio Caetetuba, a saber, artefatos plano-convexos (Figura 11), observados principalmente entre 110 e 160 cm de profundidade (UE1), de morfologia tendendo a simétrica, que apresentam cadeia operatória bastante semelhante a já descrita para artefatos plano-convexos do tipo “lesmas”; e pontas bifaciais (Figura 12), observadas entre 110 e 170 cm de profundidade (UE1), também marcadas por cadeia operatória semelhante àquelas descritas para a região de Rio Claro.

Description: G:\Kvasir Publishing\Palaeoindian Archaeology\First Issue\Troncoso et al\Figuras\Figura_6.jpg

Figura 11. Exemplos de instrumentos plano-convexos identificados no sítio Caetetuba (Zanettini Arqueologia 2016).

 

Figura 12. Exemplos de pontas bifaciais identificadas no sítio Caetetuba (Zanettini Arqueologia 2016).

 

Podemos afirmar, conforme já apontado, que as etapas de obtenção de matéria-prima, redução inicial ou preparação de núcleos e modificação inicial ou primária não aparecem refletidas plenamente no acervo obtido, indicando, possivelmente, que as atividades de obtenção de matéria-prima bem como seu descorticamento se deram fora ou em outra porção do sítio. Por sua vez, as etapas de modificação secundária ou refinamento e modificação ou manutenção opcional de peças desgastadas pelo uso podem ser observadas nos vestígios identificados, indicando que tal etapa de confecção foi realizada circunscrita à área do sítio.

5. Vestígios de populações Pleistocênicas?

As publicações nos últimos anos têm dado um tom de incredulidade para a classificação de diversos sítios pré-cerâmicos e suas indústrias líticas sob os rótulos de tradições como a Itaparica e a Umbu (Bueno & Dias 2015; Okumura & Araujo 2013; Rodet et al. 2011). Mas as tradições ainda têm sido utilizadas como ponto de partida para as críticas e discussões de modelos.

O sítio Caetetuba, por suas características tecnológicas e cronológicas, pode ser inserido nas discussões sobre os processos de ocupação inicial do território brasileiro. As pontas bifaciais presentes neste sítio apresentam morfologias que permitem classificá-lo como filiado à tradição Rio Claro (Miller Jr. 1968; Araujo 2001). Para a região de Rio Claro temos vários sítios com datas antigas e pontas bifaciais, incluído o sítio Alice Boër (Prous 1992; Araujo 2001).

O impressionante conjunto de pontas bifaciais oriundas dos sítios classificados por Miller Jr. (1968) como da tradição Rio Claro foi posteriormente enquadrado por Prous (1992) como uma variação dos artefatos da tradição Umbu, ao passo que pesquisas recentes (Okumura & Araujo 2013) utilizando análises morfométricas têm avaliado que as pontas bifaciais da região de Rio Claro são metricamente diferentes daquelas associadas a tradição Umbu.

O fato de recentemente ficar claro o distanciamento das indústrias antigas da região daquelas do sul do país, nos faz olhar para as regiões a norte. Pois, se os modelos de Araujo e Pugliese (2009) e Bueno & Dias (2015) estiverem corretos, a região aqui pesquisada está numa área de proximidade tanto dos sítios da tradição Umbu como daqueles ligados à tradição Itaparica.

O interessante em distanciar o olhar das características Umbu é aproximá-lo das caraterísticas da tradição Itaparica ou pelo menos das indústrias líticas que ocorrem de Minas Gerais e Goiás para o norte e nordeste, pois muitos sítios desta ampla região guardam elementos de semelhança com o sítio Caetetuba. Nos atentando a pontas bifaciais e instrumentos plano-convexos, estes são recorrentes em muitos sítios. Certo é que os plano-convexos foram considerados fósseis guia da tradição Itaparica e que as pontas bifaciais só apareciam eventualmente, normalmente ligadas aos períodos mais antigos, anteriores em alguns casos até mesmo aos artefatos Itaparica (Araujo & Pugliese 2009; Rodet et al. 2011; Araujo et al. 2012). Mas é inegável a presença de pontas que apresentam semelhanças com as pontas bifaciais de Rio Claro na ampla região marcada como da tradição Itaparica.

Estas pontas bifaciais em associação com artefatos plano-convexos, segundo Araujo e colaboradores (Araujo et al. 2012, Araujo & Pugliese 2009), aparentam grande antiguidade diretamente ligada a ocupações humanas da transição do Pleistoceno para o Holoceno. Desse modo, considerando o modelo de Bueno & Dias (2015), podemos tentar entender a ocupação do sítio Caetetuba como inserido numa das rotas iniciais de colonização, no caso a rota com sentido norte-sul pelas bacias hidrográficas do São Francisco e Tocantins (Bueno & Dias 2015: 134).

O que reforça esta hipótese é a coincidência de diversos elementos descritos na bibliografia como sendo característicos das indústrias líticas paleoindígenas e sua presença no sítio Caetetuba. A primeira delas é a já mencionada presença de instrumentos plano-convexos associados a pontas bifaciais alongadas. Outra característica descrita para os sítios paleoindígenas é a baixa ocorrência de silexito, como mencionado por Araujo & Pugliese:

Paleoindian lithic industries in Brazil are definitely not synonymous with flint. Flint-like raw materials represent a small percentage of raw materials used at most sites; mean values are around ten percent for southern sites and fourteen percent for central sites (Araujo & Pugliese 2009: 173-74).

Se para os sítios paleoindígenas da região central do Brasil é preconizada a presença de aproximadamente 14% de sílex ou silexito, no sítio Caetetuba temos 19%.

Outra característica comum aos sítios paleoindígenas/Itaparica e ao sítio Caetetuba é o uso associado das técnicas de percussão dura e percussão macia. Esta última utilizada para adelgaçamento dos plano-convexos e pontas bifaciais, nos quais também se percebe o uso de lascamento por pressão para reduções e retoques.

Então chegamos a um ponto em que não estamos discutindo a filiação do sítio Caetetuba à tradição Itaparica. A questão é: como os conjuntos artefatuais classificados como Itaparica, indústrias regionais paleoindígenas e o sítio Caetetuba podem contribuir com os modelos atuais de ocupação do continente?  Para buscar respostas podemos inicialmente admitir o modelo sobre povoamento das Américas de Walter Neves e colaboradores.

Walter Neves e colaboradores em diversos trabalhos propõem o modelo dos Dois Componentes Biológicos para explicar as diferenças bioantropológicas verificadas nos esqueletos humanos desde o final do Pleistoceno. De acordo com tal modelo, populações de ao menos dois componentes biológicos teriam colonizado as Américas. Os povos do primeiro componente biológico, com características austro-melanésias, teriam passado pelo Estreito de Bering por volta de quatorze mil anos AP e chegado ao atual território brasileiro por volta de doze mil anos AP. Enquanto os povos do segundo componente, com características mongoloides, teriam chegado ao Brasil por volta de nove ou oito mil anos AP. Os dados indicam que de doze mil até a chegada dos povos com características mongoloides, a primeira população foi bem-sucedida e se espalhou dominando diversos habitats (Neves 2006; Neves et al. 2004; Neves & Piló 2008; Funari & Noelli 2002; Lourdeau, 2006). A chegada do segundo componente deve ter sido impactante,

[...] mudanças biológicas dos nativos americanos atuais indicam uma transição abrupta, possivelmente envolvendo substituição populacional por competição e, em menor grau, hibridização. Essas características sugerem que o intervalo de tempo entre as duas ondas populacionais com distintos conjuntos biológicos pode ter sido bem curta, por volta de dois ou três milênios (Bueno & Dias 2015: 133).

O impacto não é apenas perceptível em relação a mudanças biológicas, mas também nos conjuntos artefatuais presentes no registro arqueológico. Entre 9.000 e 8.000 AP temos indícios de mudanças culturais abruptas, que até o momento foram estudadas apenas no Brasil Central. Temos claramente neste período a substituição de uma indústria lítica típica da tradição Itaparica por indústrias que indicam processos de regionalização e características tecnológicas muito distintas da anterior (Bueno 2007; Lourdeau 2006; Bueno & Dias 2015).

[Tais mudanças] são especialmente evidentes após 8.500 anos AP quando conjuntos líticos assumem características regionais e na maioria dos casos são caracterizados pela produção de artefatos informais produzidos sob matéria-prima local. Mas, esse não é o único aspecto que apresenta evidências de mudança. Ainda para o mesmo período os estilos de arte rupestre regionais estão também mudando, com diferenças locais emergindo tanto no Planalto Central brasileiro quanto na região nordeste (Bueno & Dias 2015: 130).

Ou seja, atualmente temos a possibilidade de analisar as diferenças entre as indústrias líticas peleoindígenas e aquelas indústrias típicas do Holoceno Médio como possíveis índices de mudanças não apenas culturais, mas também em termos de componentes biológicos. Um exemplo é o que já se suscita para o Brasil Central como apontado por Lourdeau:

[...] a data da passagem entre a Tradição Itaparica e a Tradição Serranópolis (8.500 BP) poderia corresponder ao período da substituição dos dolicocéfalos pelos braquicéfalos observada nos esqueletos fósseis. Então, uma nova onda de povoamento poderia ter ocorrido. Teria provocado uma renovação de população e, por conseguinte, mudanças dos vestígios materiais descobertos nos níveis arqueológicos (Lourdeau 2006: 692).

Até dez anos atrás, a única forma de buscar verificar a presença de populações anteriores aos ascendentes dos indígenas atuais era por meio da detecção de restos esqueletais preservados em boas condições. Ou seja, vestígios extremamente raros se comparados aos sítios líticos do mesmo período. Nesta década, vem se delineando a possibilidade de rastrear e estudar estes povos por meio de suas indústrias líticas, já que tem se desenhado um quadro de características que aparentemente demarcariam sua presença. Cabe apontarmos, contudo, que, apesar dessa possibilidade, as evidências com as quais contamos até o momento são ainda incipientes. Outro marcador que tem sido explorado é o fato de que, para os bioantropólogos, os povos mongoloides não teriam chegado ao Brasil muito antes do que oito mil anos AP.

Destarte, temos o sítio Caetetuba com datas que são mais antigas do que oito mil anos AP e uma indústria lítica com características formais enunciadas tanto por pontas bifaciais e instrumentos plano-convexos, como por muitos resíduos relacionados a produção destes. Os elementos tecnológicos e a cronologia deste sítio permitem inseri-lo como oriundo das atividades de grupos paleoindígenas que provavelmente pertenciam ao primeiro componente de ocupação do continente formado por grupos com características austro-melanésias.

Qual o ganho em se fazer a afirmação acima? Primeiramente, escapamos ao essencialismo das classificações em tradições arqueológicas. E, em segundo lugar, permite a reunião de dados sobre as características das indústrias líticas associadas aos paleoindígenas de origem austro-melanésia. Até recentemente, apenas a associação entre os esqueletos do “povo de Luzia” permitia caracterizar os conjuntos líticos como pertencentes a esta primeira leva de populações. Na atualidade, os dados reunidos abrem novas perspectivas, e, neste ponto, as pesquisas regionais e/ou de arqueologia de contrato podem contribuir grandemente, uma vez que  a produção de dados sobre os conjuntos artefatuais dos sítios datados anteriormente a chegada dos povos mongoloides podem ampliar nosso entendimento sobre os processos de ocupação inicial das américas.

Percebe-se que a construção de quadros de conhecimentos sobre as populações pretéritas por meio de pesquisas regionais tem auxiliado no aperfeiçoamento dos grandes modelos hipotéticos. Deste modo, cada sítio não tem que ser entendido por si mesmo e evitamos pensar em arqueologia brasileira apenas como exploratória. Existem modelos com diversas escalas e perspectivas teóricas que podem ser explorados pelas análises de sítios pontuais ou conjuntos de sítios regionalmente representativos. Utilizar tais dados pontuais para ampliar os conhecimentos sobre processos amplos e de longa duração tem sido de grande importância para conhecermos mais sobre a história dos povos que habitaram e habitam nosso país.

6.  Considerações Finais

A partir dos resultados preliminares das análises aqui esboçadas pode-se dizer que o estudo do sítio Caetetuba apresenta alta relevância no âmbito das discussões acerca do processo de ocupação, não apenas do território do Estado de São Paulo, mas do continente, uma vez que o conjunto artefatual legado pelo sítio, bem como as datações obtidas, apontam para um contexto de ocupação bastante recuado, indicando o sítio como um dos mais antigos no cenário caçador-coletor do Estado de São Paulo.

Cabe apontar a necessidade de estudos que busquem pelo aprofundamento da discussão acerca da ocupação da macrorregião por populações caçador-coletoras, promovendo a integração das informações obtidas no âmbito de pesquisas ligadas a outros licenciamentos e/ou de natureza acadêmica em escala regional no interior do Estado de São Paulo (ver: Araújo 2001, 2015; Becker 1966; Beltrão 1974; Caldarelli 1983, 2001/2002; Caldarelli & Neves 1982; De Blasis 1988, 1996; Lima 2005; Miller Jr. 1968, 1969, 1972; Morais 1999/2000; Okumura & Araujo 2013, 2016; Santos 2011, 2014; Scabello 1997; Vilhena-Vialou 1983/1984).

Tendo em vista que sítios arqueológicos que remetam a uma ocupação paleoíndia no Estado de São Paulo são, ainda, relativamente escassos, acreditamos que os resultados das pesquisas desenvolvidas no bojo deste programa de Arqueologia Preventiva constituam um contributo importante, oferecendo novos elementos para a discussão desse contexto de ocupação e as possíveis relações com os sítios de outras regiões, cuja relevância extrapola a problemática da ocupação do território paulista, contribuindo para as reflexões em curso a respeito do processo de ocupação humana ocorrido em território brasileiro.

Agradecimentos

Agradecemos aos pesquisadores Mariana Zauhy Coradi, Breno Paiva, Hendrigo Valenziano, Carlos Alves, Bruno Ramos pela colaboração em campo e laboratório, à Gabriela Farias, pela produção do material gráfico que ilustra este artigo, bem como a toda a equipe de auxiliares de campo e demais colaboradores da Usina São Manoel.

 

Referências Bibliográficas

Araujo, A. G. M. 2001. A Arqueologia da Região de Rio Claro: Uma Síntese. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, 11: 125-140. doi:10.11606/issn.2448-1750.revmae.2001.109414

Araujo, A. G M. 2015. On Vastness and Variability: Cultural Transmission, Historicity, and the Paleoindian Record in Eastern South America. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 87 (2): 1239-1258. doi:10.1590/0001-3765201520140219

Araujo, A. G. M. & Pugliese Jr., F. 2009. The use of non-flint raw materials by Paleoindians in Eastern South America: A Brazilian Perspective. In: Sternke, F.; Eigeland, L.; Costa, L-J. (Org.). Non-Flint Raw Material Use in Prehistory - Old prejudices and new directions. Oxford, Oxbow Books: 169-175.

Araujo, A. G. M.; Neves, W. A.; Kipnis, R. 2012. Lagoa Santa Revisited: An Overview of the Chronology, Subsistence, and Material Culture of Paleoindian Sites in Eastern Central Brazil. Latin American Antiquity, 23 (4): 533-550. doi:10.7183/1045-6635.23.4.533

Becker, M. C. M. 1966. Quelques données nouvelles sur les sites préhistoriques de Rio Claro. État de São Paulo. Congresso Internacional de Americanistas, Actas I, Sevilla: 445-450.

Beltrão, M. C. M. 1974. Datações arqueológicas mais antigas do Brasil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, V.46 (2): 211-251.

Binford, L. R. 1991. Em Busca do Passado: a descodificação do registro arqueológico. Publicações Europa América, Lisboa. 304 p.

Butzer, K. 1982. Archaeology as human ecology. Cambridge University Press, Cambridge. 364 p.

Bueno, L. 2007. Variabilidade Tecnológica nos sítios líticos da região do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, Suplemento 4: 236 p.

Bueno, L. & Dias, A. 2015. Povoamento inicial da América do Sul: contribuições do contexto brasileiro. Estudos Avançados, V.29 (83): 119-147. doi:10.1590/S0103-40142015000100007

Caldarelli, S. B. 1983. Lições de Pedra. Aspectos da ocupação pré-histórica no médio vale do Rio Tietê. Tese de doutorado. São Paulo: Faculdade de Filosofia Letras e Ciência Humanas, Universidade de São Paulo. 355p.

Caldarelli, S. B. 2001/2002. A Arqueologia do Interior Paulista Evidenciada por suas Rodovias. Revista de Arqueologia, 14/15: 29-56. URL: http://revista.sabnet.com.br/index.php/revista-de-arqueologia/article/view/177

Caldarelli, S. B. & Neves, W. 1982. Programa de pesquisas arqueológicas no vale médio do rio Tietê: 1980/1982. Revista de Pré-história, 4: 19-81.

De Blasis, P. A. D. 1988. A Ocupação Pré-Colonial do Vale do Ribeira do Iguape, SP: Os Sítios Líticos do Médio Curso. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade de Filosofia Letras e Ciência Humanas, Universidade de São Paulo. 162 p.

De Blasis, P. A. D. 1996. Bairro Da Serra Em Três Tempos: Arqueologia, Uso Do Espaço Regional e Continuidade Cultural no Médio Vale do Ribeira. Tese de doutorado. São Paulo: Faculdade de Filosofia Letras e Ciência Humanas, Universidade de São Paulo. 166 p.

Documento Antropologia e Arqueologia. 2002. Programa de Resgate Arqueológico LT 440 kV (Taquaraçu – Assis – Sumaré / SP). Relatório de pesquisa. xx p.

Funari, P. P. A. & Noelli, F. S. 2002. Pré-História Do Brasil. São Paulo: Editora Contexto. 112p.

Hirooka, S. 1999. Sítios Arqueológicos e a Paisagem na Serra do Curupira. Província Serra Paraguaia-Araguaia, Rosário Oeste, Mato Grosso. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 202 p.

Lanata, J. L. 1993. Evolución, Espacio y Adaptación en Grupos Cazadores-Recolectores. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, 3: 3-15. doi:10.11606/issn.2448-1750.revmae.1993.109150

Lima, A. P. S. 2005. Análise dos processos formativos do Sítio Capelinha - estabelecimento de um contexto microrregional. Dissertação de Mestrado. São Paulo. Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo. 136 p.

Lourdeau, A. 2006. A pertinência de uma abordagem tecnológica para o estudo do povoamento pré-histórico do Planalto Central do Brasil. Habitus, 4 (2): 985-710. doi:10.18224/hab.v4.2.2006.985-710

Macarthur, R. H.; Pianka, E. R. 1966. On Optimal Use of a Patchy Environment. American Naturalist, 100 (916): 603-609. URL: http://www.jstor.org/stable/2459298

Miguel, R. 2014. Programa de Prospecção Arqueológica Intensiva e Educação Patrimonial das Áreas de Expansão de Cultivo de Cana da Usina São Manoel S/A. Municípios de São Manuel, Botucatu, Pratânia, Areiópolis e Igaraçu do Tietê Estado de São Paulo. Relatório de pesquisa. 130 p.

Miller Jr., T. O. 1968. Duas fases paleoindígenas da bacia do Rio Claro, São Paulo: um estudo em metodologia. Tese de Doutorado. Rio Claro: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. 177 p.

 Miller Jr., T. O. 1969. Pré-história da região de Rio Claro, São Paulo; Tradições em divergência. Cadernos Rio Clarenses de Ciências Humanas, 1: 22-52.

Miller Jr., T. O. 1972. Arqueologia da Região Central do Estado de São Paulo. Dédalo, 16, (8): 13-118.

Morais, J. L. 1980. Pesquisas Arqueológicas e datações radiocarbônicas. Revista do Museu Paulista. 27: 121-132.

Morais, J. L. 1999-2000. Arqueologia da Região Sudeste. Revista USP. 44 (2): 194-217. doi:10.11606/issn.2316-9036.v0i44p194-217

Neves, W. A. 2006. Origens do homem nas Américas: fósseis versus moléculas. In: Silva, H. P. & Rodrigues-Carvalho, C. (Org.). Nossa Origem: O povoamento das Américas: visões multidisciplinares. Rio de Janeiro: Vieria & Lent: 45-76.

Neves, W. A. & Piló, L. B. 2008. O povo de Luzia: em busca dos primeiros americanos. São Paulo: Editora Globo. 334 p.

Neves, W. A.; Gonzalez-José, R.; Hubbe, M.; Kipnis, R.; Araujo, A. G. M. & Blasi, O. 2004. Early holocene human skeletal remains from Cerca Grande, Lagoa Santa, Central brazil, and the origins of the first americans. World Archaeology, 36 (4): 479-501. U

RL: http://www.jstor.org/stable/4128282

Okumura, M. & Araujo, A. G. M. 2013. Pontas bifaciais no Brasil Meridional: caracterização estatística das formas e suas implicações culturais. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, 13: 111-127. doi:10.11606/issn.2448-1750.revmae.2013.106842

Okumura, M. & Araujo, A. G. M. 2016. The Southern Divide: Testing morphological differences among bifacial points from Southern and South-eastern Brazil using geometric morphometrics. Journal of Lithic Studies, 3 (1) 1-26. doi:10.2218/jls.v3i1.1379

Pallestrini, L. 1975. Interpretação de estruturas arqueológicas em sítios do Estado de São Paulo. Coleção Museu Paulista, Serie de Arqueologia, 1. 208 p.

Politis, G. 1996. Moving to produce: Nukak mobility and settlement patterns in Amazonia. World Archaeology, 27 (3): 492-511. URL: http://www.jstor.org/stable/124938

Prous, A. 1992. Arqueologia Brasileira. Brasília, Editora Unb. 605.

Prous, A. 2004. Apuntes para Análisis de Industrias Líticas. Ortigueira: Fundación Federico Maciñeira. 172p.

Rodet, M. J.; Duarte-Talim, D. & Bassi, L. F. 2011. Reflexões sobre as Primeiras Populações do Brasil Central: "Tradição Itaparica". Habitus, 9 (1): 81-100. doi:10.18224/hab.v9.1.2011.81-100

Santos, F. G. 2011. Sítios Líticos no Interior Paulista: Um Enfoque Regional. São Paulo: Dissertação de Mestrado. Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo. 183 p.

Santos, F. G. 2014. A Ocupação Paleoíndia no Interior Paulista. São Paulo: Projeto de Doutorado. Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo. 18 p.

Scabello, A. L. M. 1997. Estudo das Populações de caçadores-coletores do Médio Curso do Rio Tietê: o estudo de caso do Sítio Três Rios, Município de Dois Córregos, SP. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade de Filosofia Letras e Ciência Humanas, Universidade de São Paulo. 127 p.

Vilhena-Vialou, A. 1983/1984. Brito: o mais antigo sítio arqueológico do Paranapanema, Estado de São Paulo. Revista do Museu Paulista, Nova Série, 29: 9-21.

Zanettini Arqueologia. 2010. Diagnóstico Arqueológico Não Interventivo Áreas de Expansão da Usina Açucareira São Manoel S/A. Municípios de São Manuel, Botucatu, Pratânia, Areiópolis e Igaraçu do Tietê. Estado de São Paulo. Relatório de pesquisa. 59 p.

Zanettini Arqueologia. 2016. Programa de Resgate Arqueológico e Educação Patrimonial – Áreas de Expansão da Usina Açucareira São Manoel S/A. Municípios de São Manuel, Botucatu, Pratânia, Areiópolis e Igaraçu do Tietê. Estado de São Paulo. Relatório de pesquisa. 457 p.

Zarur, G. C. L. 1987. Ecologia e Cultura: Algumas Comparações. In: Ribeiro, B. G. (Ed.) Suma Etnológica Brasileira - Etnobiologia. Petrópolis: Editora Vozes: 273-280.

 

 


Endnotes'

[i] Permissão Federal de Pesquisa (Iphan/Minc): Portaria nº 4, de 29 de Janeiro de 2016 (Anexo I – Item 05 - Processo nº 01506.005036/2015-46).

[ii] Os gráficos apresentam a totalidades dos artefatos, ou seja, tanto se referem a ins           trumentos, lascas e resíduos de lascamento.