José Loureiro Fernandes e a arqu

 

 

 

José Loureiro Fernandes e a arqueologia Brasileira *

Igor Chmyz

Pesquisador do CEPA-UFPR, Curitiba, Brasil.

 

 

 

Resumo:

Este trabalho aborda a trajetória de José Loureiro Fernandes na arqueologia brasileira. Embora médico, Loureiro Fernandes dedicou grande parte de sua vida profissional aos vários campos da antropologia. Atuando no Círculo de Estudos Bandeirantes, Museu Paranaense e Universidade Federal do Paraná, destacou-se na questão da legislação protetora de sítios arqueológicos no Paraná e no Brasil. Implantou o Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas, o Departamento de Antropologia e o Museu de Arqueologia e Artes Populares, na Universidade do Paraná, criando condições para a realização de pesquisas e a formação de arqueólogos.

 

Palavras-chave: Arqueologia do Paraná; Arqueologia do Brasil; História da Arqueologia; Legislação

 

* Artigo originalmente publicado como capítulo do livro “Dr. Loureiro Fernandes, médico e Cientista”, de Antônio Garcia, em 2000 (p. 107-170). A presente edição contém correções e acréscimos.

 

 

INTRODUÇÃO

No último quartel do século XX, abordando a trajetória da arqueologia brasileira nos últimos 50 anos, Betty J. Meggers (1985:364) atribuiu a José Loureiro Fernandes um papel destacado no período correspondente à profissionalização da atividade arqueológica. Este período, fixado entre 1955 e 1965 foi caracterizado, conforme a autora, pela criação ou reativação de centros de pesquisa e a execução de escavações controladas.

No Estado do Paraná, entretanto, as bases da arqueologia moderna foram lançadas antes, com a reorganização do Museu Paranaense e a instalação do Instituto de Pesquisas na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Paraná. Essa precocidade foi reconhecida por André Prous (1992:5) quando estabeleceu, entre os anos de 1950 e 1965, o período formativo da pesquisa moderna.

Além de destacar a atuação do governo e das missões estrangeiras estimuladas por José Loureiro Fernandes, Paulo Duarte e Luiz de Castro Faria junto às universidades do Paraná e São Paulo e, ao Museu Nacional, respectivamente, Prous realçou o desempenho, nesse momento, de grandes amadores imputando, a alguns deles, significativa contribuição à arqueologia do país.

Paradoxalmente, a posição de Loureiro Fernandes sempre foi de repulsa à ação dos colecionadores de peças. Responsabilizava-os, juntamente com os exploradores comerciais de sítios, pela destruição do patrimônio arqueológico. Não reconhecia naqueles capacidade técnica e científica para uma correta abordagem. É possível que o seu posicionamento inflexível com relação aos amadores tivesse se cristalizado entre as décadas de 1930 e 1940, quando se inteirava da situação dos sítios do litoral paranaense e, principalmente, em conseqüência de um incidente envolvendo um dos “grandes amadores”, durante as escavações que realizava no Sambaqui de Matinhos.

Arqueólogos amadores o Paraná os teve desde o século XIX. As concepções externadas através de monografias e artigos por Antonio Vieira dos Santos, Telêmaco Morocines Borba, Ermelino Agostinho de Leão e Romário Martins, entre outros, basearam-se no contato direto que tiveram com sítios paranaenses do litoral e do planalto. Essa produção, embora de cunho amadorístico, deve ter influenciado Loureiro Fernandes, especialmente a de Romário Martins, na questão preservacionista.

Não se atendo só a retórica, Loureiro Fernandes empenhou-se na criação de bases que possibilitassem a execução de pesquisas, formação de pessoal especializado e, paralelamente, na adoção de medidas protetoras do patrimônio arqueológico. Os sambaquis, alvos seculares da dilapidação, inclusive por parte de órgãos governamentais, constituíram a sua principal preocupação. O Estado do Paraná teve, por isso, em 1951, o primeiro decreto disciplinador para sambaquis no âmbito dos governos estaduais. Aos seus esforços e, aos de outros colegas seus, que comungavam dos mesmos anseios, deve-se a legislação federal dispondo sobre sítios arqueológicos brasileiros, promulgada em 1961.

Oriundo da área médica e destacando-se como urologista na cidade, logo voltou-se para a antropologia. Um biógrafo, que o considerou um antropólogo nato, atribuiu o seu direcionamento para esse campo das ciências humanas, a um desentendimento com o acadêmico Erasto Gaertner. Um soco teria definido, em 1937, as carreiras dos dois brilhantes profissionais envolvidos (PACIORNICK, 1994). O fato é que, no ano anterior, Loureiro Fernandes já havia sido nomeado diretor do Museu Paranaense com a proposta de reorganizá-lo, tornando-o uma instituição produtora de conhecimento. O seu interesse pela antropologia era evidente antes ainda: no Círculo de Estudos Bandeirantes, uma instituição que ajudou a fundar em 1929 proferiu, desde o início, palestras enfocando “Cronologia pré-histórica”, “Unidade da espécie humana”, “Arte paleolítica”, “Hematoantropologia dos indígenas caingangues do Paraná”, etc. (CEB, 1939:121).

Atualizou-se em vários campos da antropologia recorrendo à literatura especializada, cursos e intensos contatos com autoridades da sua época. As pesquisas que desenvolveu abrangeram temas ligados à história, especialmente a biográfica, geografia humana, antropologia física, etnografia, lingüística, etnobotânica, folclore e arqueologia. Valorizava o cinema educativo e promoveu, por esse meio, documentações arqueológicas, etnográficas e folclóricas. Algumas de suas pesquisas desenrolaram-se já nas seções instituídas durante a reorganização do Museu Paranaense, e outras, dentro de novas perspectivas, foram conduzidas sob a égide de organismos criados posteriormente.

Ao fundar o Departamento de Antropologia na Universidade do Paraná, em outubro de 1958, Loureiro Fernandes dotou-o de bibliotecas distribuídas pelas seções especializadas. Nele instalou sala para seminário, aos moldes europeus, com todos os recursos áudio-visuais disponíveis, além de completo laboratório de antropologia física e uma moderna sala acústica para etnomusicologia. Era um departamento universitário concebido preferencialmente para a pesquisa. Não mantendo curso, ofertava as suas disciplinas para vários cursos de graduação da Universidade.

A arqueologia, criada como seção no Instituto de Pesquisas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade constituiu, poucos anos depois e antes que o próprio Departamento de Antropologia, o Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas. Reconhecia, o seu idealizador, as especificidades desse ramo da antropologia.

Objetivando dotar o litoral paranaense de uma base operacional para o estudo dos sítios arqueológicos e da população cabocla, empenhou-se na restauração do antigo Colégio dos Jesuítas na cidade de Paranaguá, concluída em 1953, por ocasião das comemorações do Primeiro Centenário da Emancipação Política do Paraná. Conseguiu, simultaneamente, que nele fosse instalado o Museu de Arqueologia e Artes Populares, em 1963, com peças dos acervos do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas, Departamento de Antropologia e Museu Paranaense. Chegou a projetar um posto avançado do Museu em um terreno devoluto situado próximo ao porto de balsa de Caiobá. Serviria este para alojar equipes de pesquisa, as quais teriam, inclusive, espaços adequados para o manuseio preliminar do material coletado. O seu projeto previa, ainda, cais e abrigo para embarcações que seriam usadas na exploração da baía de Guaratuba.

Loureiro Fernandes preocupou-se, também, com o aspecto educacional explorando, em todas as ocasiões, o potencial oferecido pelos dados e acervos acumulados pelas pesquisas. Exposições temáticas foram organizadas por muitos anos em espaço próprio do Departamento de Antropologia. Todas as oportunidades apresentadas pela mídia, foram utilizadas para que o grande público se beneficiasse dos conhecimentos gerados pela Universidade. Nessas atividades procurava envolver a comunidade em torno de temas palpitantes como o da preservação do patrimônio arqueológico ou a proteção de espaço territorial encerrando grupo tribal ameaçado de extinção. A sua luta pela criação do Parque Nacional da Serra dos Dourados, que possibilitaria a sobrevivência dos índios Xetá no noroeste do Paraná, teve repercussão inclusive no exterior.

O reconhecimento dessa faceta do incansável idealista configurou-se, em nível nacional, entre os arqueólogos aglutinados pela Sociedade de Arqueologia Brasileira, com a instituição do Prêmio Loureiro Fernandes para o Estímulo de Ações Educativas.

 

JOSÉ LOUREIRO FERNANDES E A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO

A constatação dos estágios de desenvolvimento cultural entre os indígenas brasileiros nos primeiros séculos que se seguiram ao contato dos povos europeus, que não incluíam aspectos das sociedades clássicas e pós-clássicas da Meso-América e Andes Centrais, levou à procura de ruínas e cidades imaginárias, necessárias para comprovar um passado mais “civilizado” e do qual os índios representariam uma degeneração. Nessa faina envolveram-se bandeirantes, sertanistas, aventureiros e intelectuais, estes principalmente no século XIX, junto ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

A decepção predominante nesses meios, pelo estado “primitivo” ou “bárbaro” dos índios e, a ativa busca do imaginário, estão explicitadas, por exemplo, nas considerações de Alencar Araripe (1887:213), um dos sócios efetivos do Instituto:

“Na época do descobrimento do Brasil o vemos ocupado por uma população analfabeta e balda de architetura, sendo por consequencia incapaz de produzir monumentos literarios e architetonicos. Si pois no Brazil verificarmos a existencia de antigas inscrições e de cidades abandonadas, devemos concluir, que na nossa terra subzistio um povo civilizado, que n’ella precedeo ás tribus erradias encontradas pelos Portuguezes no seu advento ás plagas brazilicas, e foi o escultor d’essas inscrições e o edificador de taes cidades.”

As sinalizações rupestres foram geralmente vinculadas aos fenícios e, as ruínas de cidades, aos povos andinos, aos viquingues, egípcios ou atlantes. Entre as fantasias mais famosas, destacaram-se as inscrições da Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, e as Sete Cidades do Piauí.

Os muiraquitãs, esculturas de nefrita encontradas na amazônia, levaram J. Barboza Rodrigues (1899:159) a desenvolver intenso estudo para comprovar ligações transoceânicas entre a América e a Ásia Central.

No Estado do Paraná, perto da cidade de Ponta Grossa, a formação rochosa conhecida como Vila Velha deu margem ao imaginário popular e erudito. Adolfo de Varnhagen (1849:371), outro membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, viu naquelas estruturas ruiniformes a intervenção humana, comparando-as às construções “druídicas” da Europa.

Uma curiosa configuração rochosa, interpretada como escultura fenícia ou egípcia por alguns, foi encontrada por excursionistas na Serra do Mar, entre Curitiba e Paranaguá. Foi fotografada ao lado do Salto do Inferno, no rio Ipiranga. Jorge Bahlis reproduziu a fotografia da então denominada “Esfinge do Salto do Inferno”, atribuindo-lhe alto valor artístico e negando-lhe a autoria indígena por apresentar “feições (...) de uma raça diferente.” (1938:60). Refutou, por outro lado, a sua relação com fenícios ou gregos, julgando-a representativa de civilizações antigas do país.

A inexistência de uma arqueologia indígena monumental no Brasil, conforme a ponderação de Rodrigo Mello Franco de Andrade (1952:11), talvez não tenha despertado nas autoridades o pensamento de proteger os remanescentes dos seus primitivos habitantes. As primeiras medidas visando a proteção do patrimônio arqueológico datam do século XVIII e limitaram-se a edificações, inscrições e monumentos históricos. Medidas semelhantes, que atendessem os sítios e os acervos pré e proto-históricos de origem indígena, passaram a ser tomadas somente no século XX, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Os sítios arqueológicos brasileiros começaram a ser abordados sob uma ótica mais científica no século XVIII, por naturalistas estrangeiros, intensificando-se no século seguinte, com a realização, também, de estudos emanados do Museu Imperial, do Rio de Janeiro, fundado em 1818. Na Bacia Amazônica, as expedições arqueológicas tornaram-se mais freqüentes com a criação do Museu do Pará, em 1871. Os museus do Paraná e São Paulo, instituídos em 1876 e 1895, respectivamente desempenharam, igualmente, papel importante na identificação de culturas passadas. Coleções arqueológicas foram reunidas, ainda, por institutos históricos existentes nas cidades de Manaus, Belém, Maceió, São Luiz, etc., além de outras que foram formadas mais recentemente por colecionadores amadores.

Com a ocupação européia do território brasileiro nos períodos colonial e imperial, verificou-se a dilapidação, em escala ascendente, do patrimônio arqueológico. No período pré-histórico essa interferência também havia, como se observa em alguns sítios arqueológicos superpostos, mas, os danos causados nas estruturas subjacentes, não eram totais. Os ibéricos, com suas atividades contínuas, provocaram grandes alterações ambientais, como a implantação de campos de cultivo, abertura de vias de comunicação e edificação de vilas. Na faixa litorânea, a primeira a fixar os europeus, os sambaquis foram os sítios mais visados; o seu conteúdo conchífero foi transformado em cal e utilizado na argamassa para a construção de casas e igrejas. Mais tarde passou a ser usado para o revestimento de estradas.

O mesmo processo destrutivo existiu no litoral paranaense. Uma Resolução de João V, Rei de Portugal, passada ao Ouvidor Geral da Capitania de São Paulo em 29 de abril de 1722 e, publicada no ano seguinte na Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais [Curitiba], autorizava o comércio dos “fructos da terra” entre os moradores das vilas litorâneas do sul do Brasil e as da Bacia do Prata “... poderão levar para a dita colonia [do Sacramento] as madeiras e cal de ostras de que ha tanta nas ditas terras q’se acha em montes...” (CURITIBA, 1906:7).

Antonio Vieira dos Santos (1951:94), quase cento e trinta anos mais tarde, admirava-se da grande quantidade de sambaquis existentes nas margens dos rios que deságuam nas baías paranaenses e previa, ainda, que muitos outros seriam descobertos. Associando os sambaquis aos Carijó e, estabelecendo uma proporcionalidade entre o número de sambaquis conhecidos e o de índios necessários para a sua formação, aquele autor chegou a desenvolver um cálculo populacional, estimando-os em 8.000 indivíduos.

A interpretação de Vieira dos Santos, com relação à artificialidade dos sambaquis, já havia sido exposta por Gaspar da Madre de Deus, no final do século XVIII, para os sítios conchíferos do litoral paulista. Este assunto propiciou, entretanto, entre meados do século XIX e do XX, acirrados debates de estudiosos em torno da origem natural ou artificial dos sambaquis brasileiros.

Até que fosse devidamente esclarecida a sua origem indígena, os sambaquis foram considerados como jazidas minerais e passíveis de explorações comerciais.

Durante a abertura da Estrada do Mar, na década de 1920, os sambaquis situados nas proximidades do seu traçado foram destruídos pela Diretoria de Obras e Viação do Estado do Paraná, que utilizou o material deles retirado para o revestimento do seu leito (FERNANDES, 1947:14). Da base desses sambaquis foram resgatados, para o Museu Paranaense, ossos humanos e peças líticas.

Peças arqueológicas de outros sambaquis já haviam sido recolhidas por Agostinho Ermelino de Leão, um dos fundadores do Museu Paranaense e, figuravam como curiosidades da primitiva arte do indígena brasileiro (FERNANDES, 1936:10). Esse material, procedente de Antonina serviu, também, para as primeiras tentativas de classificação e estabelecimento de estágios de desenvolvimento cultural, além de ensaios sobre a origem dos seus autores. Foram estudos realizados por Ermelino Agostinho de Leão (1912:103; 1919:223) e Romário Martins (1925:27). O último autor, em outro trabalho (1904:8), manifestava a sua preocupação diante da paulatina destruição dos sambaquis, reclamando das autoridades governamentais providências que garantissem a sua preservação até que estudiosos deles se encarregassem.

Quando deputado, Romário Martins teve aprovado o seu projeto que obrigava os comissários de medições de terras “...a enviar ao Museu do Estado os artefactos da primitiva arte indigena, objectos fosseis e amostras de mineraes que encontrassem em suas explorações.” (MARTINS, 1904:32). Determinava a Lei, também, que cada objeto fosse acompanhado da indicação da sua procedência e, quando possível, de detalhes que pudessem caracterizar a constituição geológica da jazida.

A concretização dos anseios de Romário Martins demandou, ainda, muito tempo e esforço. Teve papel preponderante nesse momento José Loureiro Fernandes, diretor do Museu Paranaense a partir de 1936. Tentando reorganizar aquela Casa dando-lhe, também, um cunho científico, Loureiro Fernandes implantou o trabalho de equipe. Isto só aconteceu em 1939, um ano após a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná, quando alguns dos seus catedráticos passaram a se ocupar das seções que compunham o Museu.

A costumeira falta de receptividade governamental inviabilizou, porém, no âmbito do Museu Paranaense, a continuidade dos ideais de Loureiro Fernandes. Com a federalização da Universidade do Paraná, em 1950, e a anexação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, os diretores das seções especializadas do Museu transferiram os seus esforços para a nova Entidade. Nela, foi imediatamente criado o Instituto de Pesquisas, que deu condições para a realização dos trabalhos arqueológicos; essas atividades se consolidaram com a criação do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas, em 1956.

A questão da proteção dos sítios arqueológicos, preconizada por Romário Martins e concretizada por Loureiro Fernandes, desenrola-se nesse meio-tempo. A primeira atitude nesse sentido, a nível governamental, foi a promulgação da Lei Nº 33, em 17 de janeiro de 1948, protegendo as ruínas dos antigos estabelecimentos espanhóis do planalto paranaense. Os sítios históricos, englobados em áreas mínimas de 121 hectares de terras devolutas, foram arrolados como “remanescentes das primitivas reduções jesuíticas”: Vila Rica, S. Tomé, Arcângelo, S. Antônio, Encarnação, S. Miguel, Loreto, Santo Inácio, Jesus Maria e Guaíra. A localização dos sítios certamente foi baseada na cartografia jesuítica dos séculos XVII e XVIII, assunto várias vezes abordado por Romário Martins. Por esse motivo, os espaços dos sítios delimitados na lei não coincidiram inteiramente com a sua verdadeira posição. [1]

Bem posicionadas até aquela época estavam Ciudad Real del Guayrá, Villa Rica del Espiritu Santo, Nossa Senhora de Loreto e Santo Inácio Mini, visitadas por viajantes desde o século XIX e descritas em seus relatórios. Nas ruínas de Ciudad Real del Guayrá foram realizadas, inclusive, em meados da década de 1940, estudos pela arqueóloga norte-americana Virginia Drew Watson (1947:163). Loureiro Fernandes também as visitou entre as décadas de 1940 e 1950 (FERNANDES; BLASI, 1956:72).

Nos meses de janeiro e fevereiro de 1952, contando com o apoio do diretor do Museu Paranaense, o padre Luís Gonzaga Jaeger tentou localizar as vilas espanholas e as reduções jesuíticas do Guayrá, mas “... porque algunos de los puntos visitados aún se encuentran em lugares de difícil acceso, submergidos em la maleza de la floresta...” (1957:95), obteve resultado parcial.

A importância desses sítios para a história do Paraná foi realçada por Loureiro Fernandes durante o Terceiro Congresso Regional de História e Geografia, no ano de 1953, em Curitiba, de onde partiu a moção solicitando ao Reitor da Universidade do Paraná a inclusão do seu estudo nos planos de trabalho da recém-criada Cátedra de Arqueologia Pré-Histórica, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.

Entre 1936 e 1947 Loureiro Fernandes acompanhou a exploração comercial de vários sambaquis do litoral paranaense, realizando o salvamento de esqueletos humanos e artefatos. Um deles, o Sambaqui de Matinhos situado, na época, no Município de Paranaguá, exemplifica bem o quadro então vigente. O material conchífero daquele sítio estava sendo usado pela Diretoria de Obras e Viação para o revestimento da estrada entre Matinhos e Caiobá. Admitindo que o Museu Paranaense não contava com a colaboração de arqueólogo e nem dispunha de verbas para custear escavações (1955a:579), Loureiro Fernandes propôs-se, após entendimentos com a Diretoria de Viação e Obras, a escavar um pequeno setor do sambaqui que lhe fora reservado. Pôde, assim, observar a relação dos esqueletos humanos e artefatos com a estratigrafia do sítio. [2]

O desmonte de dois sambaquis, que estavam sendo explorados comercialmente no distrito de Alexandra, em Paranaguá, foi acompanhado por Otorino de Fiori de Coprani, geólogo da Universidade de Catânia, no ano de 1946, por indicação de Loureiro Fernandes (1959:2). Outras informações a respeito dessa intervenção constam de atas do Museu Paranaense. Diante da consulta feita pelo engenheiro-chefe do Departamento de Mineração das Indústrias Klabin no Paraná sobre a possibilidade da exploração de sambaquis para a obtenção de carbonato de cálcio destinado à produção de celulose, o Conselho Administrativo do Museu, concordando com o parecer do conselheiro Loureiro Fernandes, admitiu a viabilidade de um acordo com a empresa, condicionando a exploração econômica à investigação científica (Ata nº 87, de 24.12.45).

O barão de Coprani foi o técnico apontado pelo Museu para, contratado pelas Indústrias Klabin, orientar os trabalhos de exploração, salvaguardando o material de valor científico (Ata nº 90, de 7.4.46). A Ata seguinte, datada de 16.5.46, informa que Otorino de Fiori, encontrava-se no distrito de Alexandra desempenhando a sua função acrescentando, a Ata nº 93, de 11.7.46, que o técnico solicitava barraca para “morar e trabalhar” no local.

Os resultados dessa experiência são desconhecidos, pois, na última Ata que trata do assunto, a de nº 99, datada de 23.2.47, Loureiro Fernandes comunicava não ter recebido relatórios das pesquisas de Otorino, apesar dos insistentes pedidos.

O envolvimento de Loureiro Fernandes com a causa arqueológica levou-o a integrar, em 1947, por indicação do antropólogo Herbert Baldus, a Comissão Científica Franco-Brasileira para Estudos Pré-Históricos do Brasil. Essa Comissão, ligada ao Institut Français des Hautes Études Brésiliennes, do Musée de l’Homme, foi responsável pela vinda ao Brasil, na década seguinte, de arqueólogos franceses (Correspondência arquivada no Círculo de Estudos Bandeirantes).

Ao mesmo tempo em que crescia a noção da importância dos sítios arqueológicos para a reconstrução do passado paranaense desencadeava-se, capitaneada por Loureiro Fernandes, uma campanha no sentido de que fosse sustada, pelos poderes públicos, a desordenada destruição dos sambaquis. Dela resultou, em 1948, junto à Secretaria de Educação e Cultura, a criação da Divisão do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural e, em 1951, a promulgação do Decreto Estadual Nº 1.346, que reservava para fins de pesquisas de proto-história os sítios conchíferos existentes no litoral do Paraná.

O regulamento daquele ato, na forma de Decreto Nº 5.405, editado em 9 de maio de 1952, estabelecia que a licença para a exploração de sambaquis deveria ser requerida pelos detentores de concessões à Divisão do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Paraná, a quem caberia a determinação do seu valor científico. Na avaliação, os sítios poderiam ser classificados como “pobres” e “ricos” ficando, a demolição dos enquadrados na segunda categoria, subordinada à assistência técnica da DPHAC. As despesas decorrentes do exame dos sambaquis e a manutenção de técnico durante o desmonte ficaria por conta dos interessados, mas, como bem lembrou Oldemar Blasi em recente depoimento (2005:38), tais especialistas não existiam no quadro de funcionários do Estado. Ao mesmo depoente coube, algum tempo depois e por indicação de Loureiro Fernandes, a incumbência do acompanhamento do desmonte de vários sambaquis.

Os procedimentos estabelecidos pelo decreto equivaliam, em grande parte, aos adotados pelo Museu Paranaense no caso dos sambaquis de Alexandra, em 1946, atendidos por Otorino de Fiori.

Por outro lado, as autorizações de lavra de conchas calcáreas continuavam sendo concedidas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, do Ministério da Agricultura. Um pedido de autorização de lavra de sambaquis situados na margem do Canal Varadouro de Cima, no município paranaense de Guaraqueçaba (Processo DNPM nº 5.101/55), por exemplo, foi autorizado em 13 de março de 1956, por meio do Decreto Nº 38.881.

Tendo o governador do Estado do Paraná solicitado ao ministro da Agricultura em 1951, após a promulgação do Decreto Estadual Nº 1.346, “... as providências que se fizerem necessárias no sentido de que não seja concedida, em hipótese alguma, autorização a pessoas ou firmas para a exploração [de] sambaquis, bem como o DNPM transfira ao Departamento de Cultura do Estado, o direito de fiscalizar a habilitação legal dos exploradores de sambaquis.”, no decreto autorizatório foi incluído um artigo visando atender a pretenção do Governo do Paraná:

“Art. 2º. O autorizado tem expresso conhecimento e obriga-se a seguir os preceitos do decreto do Governo do Estado do Paraná de número 1.346, de 29 de maio de 1951, especialmente no que toca à defesa do material científico e proto-histórico existente na jazida que constitue objeto da presente autorização.”

 

4 Chmyz fig 01

Figura 1. Planta e perfis dos sambaquis do Canal Varadouro de Cima, em Guaraqueçaba, integrantes do Processo DNPM nº 5.101/55 (cópia arquivada no CEPA). Os processos da DNPM no tocante aos requerimentos para pesquisa de conchas calcáreas, pelos detalhes que contêm, representam importantes fontes para os estudos arqueológicos.

 

Um parecer técnico expedido pelo Chefe de Distrito do DNPM, em 18 de maio de 1955, quando da tramitação do processo de concessão, declarava que “Trata-se [a jazida] de conchas calcárias formando os chamados concheiros ou sambaquis, material que se depositou, provavelmente pela ação do homem, constituindo verdadeiras jazidas minerais.” Embora considerando que o volume de conchas do jazimento fosse relativamente reduzido, na ordem de 26.000 toneladas, mas que representavam (...) os maiores depósitos conchíferos na região.”, opinou pela aprovação do requerimento.

No “Plano de bom andamento” do empreendimento, os sambaquis foram descritos como montes com 4 a 10m de altura e com diâmetros variando de 50 a 60m, constituídos por camadas horizontais de conchas de berbigão e ostras, “... material com alto teor de cálcio de origem animal e, portanto, excelente matéria prima para a fabricação de farinha para alimentação de aves e outros animais.”

Em consonância com o Artigo 2º do Decreto Nº 38.881/56, o “Plano” esclareceu que “Durante a fase de desmonte serão observados com a máxima atenção o aparecimento de qualquer objeto etnográfico, momento em que a lavra nessa frente será interrompida e o fato comunicado à comissão estadual encarregada desses estudos...”.

O Estado do Paraná, através do Departamento de Cultura, da Secretaria de Educação e Cultura emitiu, em 5 de junho de 1957, o Alvará de Licença Nº 43:

“Pelo presente alvará de licença, fica o Senhor MITSUO YAMANACA, brasileiro, casado, industrial, residente em São Paulo, à rua Paraíso, 105, casa 10, autorizado a explorar as jazidas de conchas calcáreas existentes no Município de Guaraqueçaba, distrito de Ararapira, área mencionada pelo Decreto Federal Nº 39.803, de 16 de agosto de 1956, Diário Oficial da União, de 22 do mesmo mês e ano, e nas condições naquele ato especificados, tudo de acordo com o Decreto Estadual nº 5.405, de 9 de maio de 1952, publicado no Diário Oficial do Estado, de 10 do mesmo mês e ano, e tendo em vista o processado nº 3.881, de 20 de fevereiro de 1957, da Secretaria de Educação e Cultura. A presente licença libera a referida exploração somente no que concerne ao aspecto científico-arqueológico, ficando o licenciado sujeito às demais obrigações porventura estabelecidas por outras posturas legais tanto federais, como estaduais ou municipais. Dados os termos do laudo técnico constante do processado, a exploração será assistida por técnico, cuja indicação e encargos serão feitos oportunamente pelo Departamento de Cultura.

Nos documentos apensos ao processo de concessão dessa lavra não há qualquer referência à interrupção de desmonte em função da ocorrência de peças arqueológicas. Nos arquivos do CEPA, também não existem referências sobre o acompanhamento da exploração por técnico indicado pelo Departamento de Cultura do Paraná.

Em 1971, uma vistoria realizada no local pelo DNPM, devido à falta de relatórios anuais da lavra desde 1961, constatou que os sambaquis haviam sido esgotados na época da interrupção dos informes. [3]

No Estado de São Paulo, graças à atuação de Paulo Duarte foi instituída, em 19 de dezembro de 1952, a Comissão de Pré-História destinada à proteção dos sambaquis, grutas e lapas (Decreto Estadual Nº 21.935). No ano seguinte, em 4 de agosto, o Decreto Estadual Nº 22.550, reservava para fins de pesquisas de pré-história, paleontologia, arqueologia e antropologia os sambaquis existentes no território paulista.

A Comissão de Pré-História, à qual competia a organização das pesquisas especificadas no Decreto Nº 22.550 realizou, de imediato, o levantamento das autorizações de pesquisa e lavra de sambaquis nos municípios do litoral de São Paulo, oficiando às autoridades competentes sobre a infringência de tais atividades perante a legislação existente (Relatório arquivado no CEPA).

As medidas disciplinadoras tomadas pelos estados do Paraná e São Paulo, embora tratassem dos sítios mais visados pela exploração comercial, como os sambaquis e grutas, e outros ameaçados pela expansão agrícola, como as vilas espanholas e reduções jesuíticas, representaram os primeiros passos em direção à legislação maior, que contemplaria todas as ocorrências arqueológicas do país.

A preocupação pelos prejuízos de ordem antrópica e intempérica a todos os sítios já havia sido manifestada por Heloisa Alberto Torres, do Museu Nacional, em 1937, quando tratou da proteção do patrimônio arqueológico brasileiro no primeiro número da revista do recém-criado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Para a preparação de um anteprojeto de lei sobre os sítios arqueológicos brasileiros foi instituída, em 1957, pelo Ministério da Agricultura, uma “... comissão constituída pelos diretores do Departamento Nacional de Produção Mineral, da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, do Presidente da Comissão de Pré-História de São Paulo, do Professor de Antropologia e Diretor do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas da Universidade do Paraná e por um consultor jurídico do Ministério...” (CASTRO FARIA, 1959:95).

Os ensaios do anteprojeto de lei contendo correções e inclusões feitas por Loureiro Fernandes, integram o Arquivo do CEPA, assim como o telegrama do Presidente da Comissão, que o convocava para a reunião de encerramento dos trabalhos, no dia 4 de julho de 1957, no Rio de Janeiro.

No final de novembro de 1957, o Projeto de Lei Nº 3.537-A foi encaminhado ao Congresso Nacional pelo Presidente da República. Com a Mensagem Nº 512-57, o presidente Juscelino Kubitschek apresentou o projeto de lei aos congressistas como um documento que dispunha sobre as medidas relacionadas com a defesa e proteção dos monumentos arqueológicos e pré-históricos nacionais.

Promulgada em 26 de julho de 1961 e publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte, a Lei Nº 3.924 deveria ser regulamentada, no prazo de 180 dias, naquilo que fosse julgado necessário à sua fiel execução.

Uma tentativa para a regulamentação partiu da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1963 (Correspondência GMB-6 203/63). Determinava aquele órgão do Ministério da Educação e Cultura a adoção de três providências urgentes “... afim de que o nosso país não continue dando ao mundo civilizado essa prova de atrazo e relaxação cultural com a indiferença e o desleixo por um assunto que vem merecendo o máximo amparo e atenção de todos os países que sabem oferecer a pesquisa científica a atenção e o apoio que merece.” A primeira delas consistia na nomeação de uma comissão para apresentar ao Governo Federal, no prazo de 30 dias, o regulamento da lei. Seria composta pelo Diretor do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (como Presidente), e representantes do Museu Nacional (Luiz de Castro Faria), da Universidade de São Paulo (Paulo Duarte), da Universidade do Paraná (José Loureiro Fernandes), da Universidade de Brasília (Eduardo Galvão) e o Diretor do Serviço de Proteção aos Índios.

A segunda providência seria a celebração de convênios com São Paulo e Paraná, para a delegação de atribuições conferidas ao Ministério da Educação e Cultura para o cumprimento da Lei Nº 3.924, porque “Os únicos Estados do Brasil em condições são os de São Paulo e Paraná, cujas Universidades se acham aparelhadas.”

Reconhecendo que o Órgão não possuía estrutura que lhe possibilitasse o cumprimento das atribuições conferidas pela lei propôs, como a terceira providência, a criação de uma comissão de pré-história e etnologia, que melhor cumpriria a incumbência “... do que um complicado organismo burocrático.”

Para a composição dessa Comissão de Pré-História e Etnologia, que “... deliberaria (...) não só sobre tudo quanto se referisse à pesquisa científica, arqueológica e etnológica, aberta a todos os cientistas e organizações especializadas de comprovada idoneidade moral, técnica e científica, especialmente as universidades e institutos com tradição em tais atividades...”, foi sugerido o Diretor do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que a integraria como representante do Ministério da Educação e Cultura, e representantes do Ministério de Minas e Energia, do Museu Nacional, das Universidades de São Paulo, Paraná e Brasília, do Conselho de Expedições Artísticas e Científicas e do Serviço de Proteção aos Índios.

Uma minuta de decreto de regulamentação da Lei Nº 3.924 foi encaminhada a José Loureiro Fernandes, junto com uma correspondência de Heloisa Alberto Torres, em 10 de setembro de 1964. A missivista alegou que, em cumprimento ao disposto pela Portaria Nº 23, de 21 de janeiro de 1964 e, em obediência à determinação do Gabinete do Ministro de Educação e Cultura, de reduzir ao mínimo as despesas com os trabalhos de regulamentação, para a elaboração da minuta do documento foram promovidas reuniões apenas com a presença dos membros da Comissão residentes no Rio de Janeiro.

Na correspondência, Heloisa Alberto Torres solicitava, também, a devolução urgente da minuta, com as modificações julgadas convenientes. A correspondência e a minuta de regulamentação, na qual não se nota nenhuma observação, foram arquivadas na pasta destinada aos documentos de “Proteção de Jazidas”, do CEPA, por determinação de Loureiro Fernandes.

O seu desinteresse pela regulamentação da Lei Nº 3.924 talvez tenha se originado na correspondência GMB-6 203/63, do DPHAN, que contém vários pontos de interrogação do punho de Loureiro Fernandes, naquilo que se refere ao alegado descaso inicial da regulamentação e à instituição da Comissão de Pré-História e Etnologia, além do destaque secundário dado pelo documento ao papel desempenhado pelo Estado do Paraná no processo.

A minuta da regulamentação da Lei, que acabou não sendo decretada, serviu de base para a Portaria Nº 07, editada pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 7 de dezembro de 1988, disciplinando os pedidos de autorização, permissão e as comunicações prévias para a realização de trabalhos de arqueologia no país.

 

JOSÉ LOUREIRO FERNANDES E O MUSEU PARANAENSE

Idealizado por Agostinho Ermelino de Leão e José Cândido da Silva Muricy em 1874, como local de exposição e jardim de aclimação, o Museu do Paraná foi inaugurado em 25 de setembro de 1876. Voltado à história pátria e às ciências naturais, era o Museu uma instituição particular, auxiliada pelos órgãos públicos provinciais e pelo favor do povo. Ocupando parte do antigo Mercado na praça Zacarias, o Museu tornou-se órgão da Província em 1882. Mudou-se em 1896 para o edifício onde funcionara o Paço da Assembléia Provincial, na rua Dr. Muricy. Em 1913 transferiu-se para o antigo Salão Tívoli, na rua São Francisco e, em 1928, para o prédio do Estado sito à rua Buenos Aires. A construção de uma sede própria foi aventada nesse momento, pretendendo-se a sua edificação no recinto do Passeio Público.

Como estabelecimento particular, o Museu foi dirigido por Agostinho Ermelino de Leão e José Cândido da Silva Muricy. Ao se tornar oficial, a instituição continuou sendo dirigida por Agostinho de Leão, para cujo cargo foi reconduzido em 1892. Outras cinco personalidades sucederam-se no cargo até 1930, entre as quais Ermelino Agostinho de Leão e Romário Martins. Este foi o que mais tempo permaneceu frente à Casa, dirigindo-a de 1902 a 1928. Em 1931, com a extinção do cargo de diretor, o Museu ficou sob a responsabilidade de João Tenius, um auxiliar-técnico.

José Loureiro Fernandes assumiu o Museu Paranaense em 1936, convidado pelo governador Manoel Ribas. Poucos meses depois de assumir, produziu uma resenha historiando os 60 anos da instituição, na qual destacou os esforços dispendidos pelos seus antecessores, apesar da crônica falta de recursos e o desinteresse dos órgãos governamentais em alguns momentos.

Ao apresentar os “Arquivos do Museu Paranaense”, o periódico que passaria a divulgar a produção dos seus membros e da comunidade científica em geral, comentou o desenvolvimento unilateral a que a Instituição foi conduzida pelos seus antigos gestores, no sentido de museu popular, relegando para segundo plano o museu para especialistas (1941a:3).

Posteriormente, em outro artigo, essa análise foi externada com mais clareza (FERNANDES; NUNES, 1956:10):

“Numa visão retrospectiva podemos sentir perfeitamente que, nessa primeira fase, a mor parte da evolução do Museu processou-se sob a égide das iniciativas pessoais de dois ilustres paranaenses, sem que vislumbrar se possa qualquer tendência para trabalhos de equipe. Quando muito, houve um certo espírito de compreensão das diretorias em aceitar a colaboração espontânea e transitória de especialistas pertencentes a instituições congêneres nacionais e estrangeiras.”

O Museu começou expondo peças históricas e produtos naturais em um amplo e único salão. Na sua trajetória, ao se transferir para outros espaços, teve ampliadas as exposições e chegou a incorporar a Biblioteca Pública, a Pinacoteca Paranaense e pequeno zoológico. Nele funcionou, também, por algum tempo, o Instituto Histórico e Geográfico Paranaense.

Desempenhou papel preponderante na vida social da Capital. Nas suas dependências realizavam-se saraus, premiações e exposições temporárias. Além de intensamente freqüentado por populares, foi visitado por autoridades, como o próprio Imperador Pedro II e outros membros da Corte, presidentes da Província e governadores do Estado.

A receptividade do público exteriorizava-se, também, através da doação de objetos, propiciando a constante ampliação dos seus mostruários. O material arqueológico que figurava em suas vitrinas procedia do litoral paranaense, ofertado por populares e mais tarde coletado por Ermelino Agostinho de Leão em sambaquis de Antonina. Do planalto procediam coleções de Ciudad Real del Guayrá e Redução de Santo Inácio Mini, estabelecimentos relacionados ao domínio espanhol no oeste do Paraná nos séculos XVI e XVII.

Participou destacadamente, com peças do seu acervo, da Exposição Antropológica Brasileira, no Rio de Janeiro (1882), da Exposição Sul-Americana, em Berlim (1887) e da Exposição Nacional, novamente no Rio de Janeiro (1908). As amostras enviadas para a exposição de Berlim nunca foram recuperadas, ocasionando um desfalque nos seus mostruários.

A falta inicial de textos explicativos dos objetos expostos, reclamada pelo imperador quando da sua visita, levou à imediata produção de um Guia do Museu. Outros foram realizados contendo, também, importantes textos de Telêmaco Morocines Borba e Luís de Cemitille. Obras de maior vulto, como o Índice Paranaense e o Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná, foram elaborados por Agostinho e Ermelino de Leão.

Inegavelmente, é a Romário Martins, o ordenador das coleções da Casa, que se deve a profícua produção de textos, alguns deles dedicados à arqueologia. Lançou, em 1904, o Boletim do Museu Paranaense; destinado a se tornar o periódico da Instituição, restringiu-se ao primeiro número. Durante a sua gestão, foi incorporado ao Museu o acervo arqueológico e etnográfico de Telêmaco M. Borba.

As mudanças sócio-econômicas e políticas verificadas nessas fases, refletem os momentos de crescimento e estagnação do Museu. Até as primeiras décadas do século XX Curitiba carecia de comércio e indústrias apreciáveis. “Vivia-se inteleclectualmente do reflexo das grandes metrópoles Rio de Janeiro e São Paulo. Nada se produzia; pouco se estudava.” (FERNANDES; NUNES, 1956:10).

Em meados da década de 1930 o Museu encontrava-se desamparado pelos poderes públicos. Ao assumí-lo, em 1936, Loureiro Fernandes teve que contemporizar a sua ação, face a algumas modificações em andamento na esfera da administração pública, que tendiam a transferir os problemas específicos de cultura para a administração municipal. A transferência do Museu Paranaense para a Prefeitura de Curitiba aconteceu no final de 1937. Não tendo, porém, se enquadrado nessa esfera administrativa, foi recambiado para o Estado do Paraná, ficando sob a jurisdição da Secretaria do Interior e Justiça.

Somente em 1939 foi possível o início da reorganização da Casa. Esta foi dividida em seções de História, Antropologia e Etnografia, Geologia e Paleontologia, Botânica e Zoologia. Os chefes das seções foram nomeados através de decreto estadual, de acordo com a capacitação técnico-científica que apresentavam, a salvo de indicações políticas. Ocuparam-nas catedráticos da Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras do Paraná, fundada em 1938.

Criaram-se o serviço de taxidermia, atendida pelo técnico André Meyer e, a biblioteca especializada. A sede mais espaçosa da rua Buenos Aires permitiu a montagem de exposições em diversas salas e a ampliação da reserva técnica.

 

4 Chmyz fig 02

Figura 2. O Palacete Cel. Manoel Macedo, na rua Buenos Aires esquina com a rua Benjamin Lins, foi a sede Museu Paranaense entre 1928 e 1965 e local de intensas atividades de Loureiro Fernandes e catedráticos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná (Fonte: SAWAYA, 1943).

 

Adquiriram-se equipamentos para as pesquisas de campo. O Museu passou a produzir conhecimento e a alimentar suas mostras com os dados e espécimes obtidos durante as excursões. A partir de 1941, com a admissão de auxiliares voluntários, abriram-se as possibilidades de colaboração nos trabalhos científicos. O periódico “Arquivos do Museu Paranaense” começou a circular nesse ano também, divulgando a produção gerada pelo Museu e por especialistas externos.

Responsável pela Seção de Antropologia e Etnografia, Loureiro Fernandes desenvolveu pesquisas de campo entre os índios Kaingáng de Palmas (1939; 1941b) e realizou as primeiras abordagens arqueológicas, recuperando artefatos e ossos humanos das bases de sambaquis destruídos quando da construção da Estrada do Mar, assim como de fragmentos cerâmicos atribuídos, em parte, aos índios Carijó, da família lingüística Tupi-Guarani (1947:13). Realizou expedição para constatar a origem dos nichos funerários existentes no Morro das Ossadas, em Guaraqueçaba. Em 1943, começou escavações controladas em um setor do Sambaqui de Matinhos, que estava sendo demolido e utilizado para o revestimento de estrada (1955a:579). Na caderneta de campo estão anotados os passos do seu trabalho naquele sítio, além de uma relação de sambaquis visitados em Antonina, Paranaguá, Morretes e Guaratuba (Xerocópia da caderneta arquivada no CEPA).

 

4 Chmyz fig 03

Figura 3. Foto de membros do Museu Paranaense e pesquisadores visitantes (1942). Da direita para à esquerda: José Loureiro Fernandes (Diretor - Seção de Antropologia e Etnografia), Pe. Jesus Moure (Seção de Zoologia), Dr. Waldo Schmitt (Museu Nacional - EUA), André Meyer (Taxidermista), Heitor Rodrigues Jr. (Secretário Museu) e Paulo Sawaya (Dep. de Zoologia da USP) (Fonte: SAWAYA, 1943).

 

Devido à sua formação, as descrições feitas sobre os enterros humanos escavados são detalhadas e contextualizadas; detectou, inclusive, a presença de enterro secundário, baseando-se nas pequenas discrepâncias apresentadas por alguns ossos do esqueleto. [4]

Por sua indicação, sambaquis em fase de desmonte comercial na região de Alexandra, em Paranaguá, foram acompanhados pelo barão Otorino de Fiori de Coprani, geólogo da Universidade de Catânia, entre1946 e 1947. A seu pedido, Coprani produziu, em 1946, as “Considerações paleetnográficas”, um estudo que sintetizava a problemática dos sambaquis e trazia sugestões para a implantação de uma infra-estrutura necessária para o seu estudo sistemático.

 

4 Chmyz fig 04

Figura 4. Levantamento topográfico realizado na área do Sambaqui do Casqueiro por Reinhard Maack., em 1947,com arte-final por Rodolfo Doubek.

 

Loureiro Fernandes contou, também, nesse período, com a colaboração de Reinhard Maack nas questões ambientais. A esse pioneiro da geologia paranaense devemos, por isso, alguns registros arqueológicos, como o Sambaqui do Casqueiro, topografado em 1947 na Praia de Leste, entre Paranaguá e Guaratuba, cuja planta foi executada pelo cartógrafo Rodolfo Doubek. O sambaqui, que não mais existe, figura inserido na paisagem praiana, sendo mostrado, em destaque, o seu perfil estratigráfico e a sua composição malacológica básica (Planta arquivada no CEPA).

O aumento das atividades nos campos atendidos pelo Museu ocasionaram o esgotamento dos espaços destinados às exposições, levando o seu Conselho Diretor a pleitear a construção de nova sede.

 

4 Chmyz fig 05

Figura 5. Fachada do prédio projetado para acomodar, na praça Santos Andrade, o Museu Paranaense, Teatro, Reitoria e Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Paraná.

 

Desejava-se, além da criação de instalações condizentes com o progresso do Museu nesse momento, a sua aproximação física com a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná. Para o empreendimento conseguiu-se a reserva de um terreno situado junto à praça Santos Andrade. A medida foi tomada pelo Interventor Federal Manoel Ribas, em 1944, através de decreto. O projeto de construção, executado pela Companhia Construtora Nacional S.A., do Rio de Janeiro, conforme o planejamento da comissão designada para esse fim previa, nos seus quatro pisos, as instalações do Museu Paranaense na ala da rua Aminthas de Barros, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras na ala da rua XV de Novembro, com o teatro na porção central. A parte fronteiriça à praça seria destinada à Reitoria (Projeto arquivado no CEPA).

As turbulências políticas e, as mudanças de governantes estaduais seqüentes, além de inviabilizarem a projetada edificação ocasionaram, também, novo declínio nas atividades do Museu Paranaense. Os responsáveis pelas seções transferiram-se para a Universidade do Paraná em 1950. Em artigo elaborado com Marília D. Nunes, Loureiro Fernandes referiu-se a este momento crucial:

“Até 1948, este pequeno grupo de homens de ciência que constituía o Conselho do Museu Paranaense conseguiu transformar, conjugando com as cátedras especializadas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, em dez anos, em eficiente instituição científica, um museu velho e sem viço, simples arquivo de objetos diversos que não eram o resultado de pesquisa científica nem a provocavam.

Desse labor intelectual fica um testemunho nos múltiplos trabalhos publicados pelos elementos do Museu em várias revistas especializadas e sobretudo nas publicações oficiais do Museu.” (1956:16 e 17).

Até 1950 foram editados 8 alentados volumes dos Arquivos do Museu Paranaense, bem como 12 publicações avulsas sobre geologia, zoologia, botânica, etnografia e história. Entre as últimas, constam os fascículos iniciais do arrojado “Dicionário das Tribus e línguas indígenas da América Meridional”, de R. F. Mansur Guérios, e “Diogo Pinto e a conquista de Guarapuava”, de Arthur Martins Franco, que reproduz o importante relatório do padre Francisco das Chagas Lima, de 1862, sobre os Kaingáng.

Entre os anos de 1950 e 1952 o Museu ainda publicou, graças aos esforços de Júlio E. Moreira, Diretor da Seção de História, as memórias históricas da Vila de Morretes e do Porto Real e, da Cidade de Paranaguá e seu Município, em três tomos. De autoria de Antonio Vieira dos Santos, os originais manuscritos e datados de 1850 e 1851, encontravam-se depositados no Círculo de Estudos Bandeirantes; foram liberados por Loureiro Fernandes para publicação.

Quando da edição do primeiro volume dos Arquivos (1941), o Museu encontrava-se subordinado à Secretaria do Interior e Justiça, dos volumes de números 2 a 7 (de 1942 a 1946), à Diretoria Geral de Educação e, do volume número 8 (1950), à Secretaria de Educação e Cultura.

A subordinação do Museu Paranaense à Secretaria de Educação e Cultura ocorreu já em 1948. Essa Secretaria, criada em 1947, foi estruturada por Loureiro Fernandes no ano seguinte. No seu Departamento de Cultura foi instituída a Divisão do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural, de cujo Conselho de Defesa emanou o Decreto Nº 1.346 dispondo sobre os sambaquis do Paraná.

A saída de Loureiro Fernandes da Secretaria de Educação e Cultura, em janeiro de 1949, deveu-se a uma série de modificações e alterações à sua proposta original de estruturação, principalmente no tocante à representatividade do Conselho de Educação e Cultura. O encaminhamento, à revelia, do ante-projeto modificado à Assembléia Legislativa, motivou a manifestação de estranheza do secretário demissionário ao governador do Estado, pela alteração que conferia ao Conselho um caráter classista contrariando, inclusive, as “Bases e Diretrizes da Educação Nacional.” (A PASSAGEM, 1948:68).

Um levantamento de sambaquis, para posterior tombamento, foi encomendado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural ao geólogo João José Bigarella. Desse trabalho resultaram dois artigos publicados nos “Arquivos de Biologia e Tecnologia” e uma “Planta geológica provisória”, com a localização de sítios arqueológicos (BIGARELLA, 1950/1a:231; 1950/1b:293; BIGARELLA; DOUBEK; SALAMUNI, 1957). Para finalizá-lo, devido à falta de recursos financeiros na Secretaria de Educação e Cultura, Bigarella teve que recorrer ao Conselho Nacional de Pesquisas, Instituto de Biologia e Pesquisas Tecnológicas, Instituto de História Natural e Departamento de Geografia, Terras e Colonização. Dos 136 sítios levantados, quase todos representados por sambaquis, nenhum foi tombado. [5]

 

JOSÉ LOUREIRO FERNANDES E A UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

Apesar de se terem voltado às cátedras na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, os reorganizadores do Museu Paranaense procuraram aproximá-lo da Universidade. “Por uma feliz associação de esforços entre o Museu e o Instituto de Pesquisas da Universidade do Paraná, os trabalhos dos especialistas prosseguem, ao passo que nas suas acanhadas e velhas instalações do Museu há muito estacionou.” (FERNANDES; NUNES, 1956:17).

Permanecendo sob mandato universitário, entre 1952 e 1960, o Museu Paranaense ainda editou os volumes 9 e 10 dos seus “Arquivos” (1952 e 1953) e lançou o primeiro número de uma nova série dos Arquivos, dedicando-o à Seção de Antropologia (1955). [6]

Decisiva para o projeto de Loureiro Fernandes foi a instalação, em 1950, do Instituto de Pesquisas na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Este era composto por uma Diretoria, um Conselho Diretor e um Conselho Científico, destinando-se ao apoio e estímulo à pesquisa científica no meio universitário (MENEZES, 1967:59).

Nesse novo contexto, ocorreram as primeiras abordagens arqueológicas feitas, na região planaltina, por paranaenses. No final de 1951, motivado por uma comunicação feita por Arthur Barthelmess, o Instituto promoveu prospecções no sítio do Estirão Comprido, situado na margem esquerda do rio Ivaí, no então Município de Prudentópolis, hoje no Município de Cândido de Abreu. Foram realizadas por Loureiro Fernandes, diretor do Instituto, na companhia de Oldemar Blasi, Aryon Dall’Igna Rodrigues, Arthur Barthelmess, Felipe de Souza Miranda e André Meyer.

O histórico corte-estratigráfico praticado revelou um sítio formado por um depósito com cerca de 50cm de espessura, repleto de fragmentos de recipientes cerâmicos e ossos de animais. Restos ósseos humanos foram coletados junto a uma perturbação causada na área por moradores locais (FERNANDES; BLASI, 1956:74).

No ano seguinte foram executadas escavações estratigráficas no Sambaqui do Araújo II, localizado no município paranaense de Guaratuba. Para a coordenação dos trabalhos foi convidado, por Loureiro Fernandes, o refugiado político iugoslavo conde Adam Orssich de Slávetich.

Detentor de experiências em estudos arqueológicos na Europa e África, Orssich contou com a colaboração de sua esposa, dra. Elfriede Stadler, arqueóloga formada pela Universidade de Praga e que foi, durante vários anos, assistente de Osvaldo Menghin no Instituto de Pré-História da Universidade de Viena.

As pesquisas foram acompanhadas por Fernando Corrêa de Azevedo, Oldemar Blasi e Aryon Dall’Igna Rodrigues e, delas resultaram artigos publicados em periódicos do país e do exterior (ORSSICH, 1954:65; ORSSICH; ORSSICH, 1956:357). Elfriede Stadler Orssich publicou um artigo sobre as práticas funerárias observadas no sambaqui (1954:71).

 

4 Chmyz fig 06

Figura 6. Corte-estratigráfico praticado no sítio do Estirão Comprido, na margem do rio Ivaí, em 29 de dezembro de 1951. Na superfície: Oldemar Blasi (agachado), Arthur Barthelmess e Roberto Cellarius. No corte: Aryon Dall’Igna Rodrigues (Chapéu de palha), Loureiro Fernandes e André Meyer (Acervo do CEPA).

 

Relatórios que permaneciam inéditos nos arquivos do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas, foram divulgados em 1977, juntamente com a reedição dos anteriores (ORSSICH, 1977a:11; 1977b:61; ORSSICH, 1977c:69; ORSSICH, 1977:73). [7]

Após as escavações no Sambaqui do Araújo II, Orssich encaminhou, do Rio de Janeiro, uma correspondência a Loureiro Fernandes manifestando o seu interesse em prosseguir os trabalhos no litoral do Paraná. Na mesma oportunidade, baseado na sua larga experiência como pesquisador, organizador de museus e no trato do patrimônio cultural do seu país emitiu, a título de colaboração, várias sugestões relacionadas à organização de um centro voltado à arqueologia. Considerando que escavações pontuais, como as que realizara no sambaqui, pouco contribuíam para o esclarecimento da evolução cultural pré-histórica, aconselhou que o centro previsse estudos em áreas amplas, de longa duração, conduzidos por equipes multidisciplinares. Sugeriu, também, a criação de cátedras de arqueologia ou institutos de pré-história nas universidades brasileiras, cujos membros seriam arqueólogos, antropólogos, geólogos, zoólogos, botânicos e outros interessados nos problemas da arqueologia.

Comentou ainda que, como as instituições norte-americanas e européias, a que viesse a ser criada no Paraná deveria contar com biblioteca especializada, museu, laboratórios para restauração, conservação e análise, salas para alunos em formação e para conferências destinadas à divulgação do conhecimento e a publicação regular dos resultados; frisou a necessidade de criação de postos avançados que auxiliariam nas prospecções e escavações (correspondência de 22.1.1953, arquivada no CEPA).

A organização existente na América do Norte e em países do Velho Mundo, apontada por Orssich, já era conhecida por Loureiro Fernandes através dos intensos contatos que mantinha com especialistas de várias instituições. Em 1952, tendo participado de reuniões internacionais em Cambridge e Viena, teve a oportunidade de visitar centros de pesquisa naquelas cidades e em outros países assistindo, inclusive, escavações que aconteciam em concheiro de Portugal. Desses contatos resultaram anotações e fotografias sobre as instituições.

As escavações pontuais, que começaram no sítio do Estirão Comprido e no Sambaqui do Araújo II, estendendo-se para outros nos anos seguintes, relacionavam-se mais ao ensino da prática arqueológica. Norteava-o a intenção de formar arqueólogos, com a colaboração de profissionais oriundos de escolas diferentes.

As bases de apoio já eram por ele cogitadas, como a do antigo Colégio dos Jesuítas, em Paranaguá, restaurado pelo Serviço do Patrimônio Nacional, e que, no seu projeto, além de sediar um museu, centralizaria os estudos no litoral; o laboratório que estava projetando junto ao porto de passagem de Caiobá representaria, também, um posto avançado para as pesquisas na baía de Guaratuba.

A cátedra de arqueologia, que será comentada adiante, já havia sido proposta à Universidade pela sua Cátedra de Antropologia, sendo aprovada em 1953. Entre este ano e o seguinte, Loureiro Fernandes manteve entendimentos com o CNPq para a instalação, em Curitiba, de um laboratório destinado às datações de sítios pelo método do Carbono 14.

Em 1954, tendo em vista o aceleramento das atividades, foi criada a Seção de Arqueologia no Instituto de Pesquisas. Para chefiá-la, Loureiro Fernandes convidou Fernando Altenfelder Silva, da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. No mesmo ano Altenfelder coordenou, em companhia de Oldemar Blasi, Iroshi Saito e Vladimír Kozák os trabalhos no sítio do Estirão Comprido. Novas pesquisas nesse sítio sucederam-se alguns meses depois, quando os dois primeiros foram assistidos por Carlos de Araújo Moreira Neto (SILVA; BLASI, 1955:829).

As escavações começadas em 1954 no Estirão Comprido, sinalizando as primeiras amplas e controladas estratigraficamente em sítio cerâmico no Estado do Paraná, tiveram continuidade no ano seguinte. Os resultados parciais desses enfoques foram apresentados em 1958, durante a Terceira Reunião Brasileira de Antropologia, em Recife (SILVA, 1959:113).

Pesquisas menores também foram praticadas pela Seção de Arqueologia, como a realizada para a constatação de informações sobre enterros, em Monte Alegre, no interior do Paraná. Estas foram conduzidas por Fernando Altenfelder Silva, Luiz de Castro Faria, Oldemar Blasi, Carlos de Araújo Moreira Neto e Ernesto Knauer (Relatório de dezembro de 1954 - Arquivo do CEPA).

No final de 1955, a Seção de Arqueologia passou a contar com a colaboração de Joseph Emperaire, pré-historiador francês ligado ao Musée de l’Homme. Emperaire havia sido encaminhado por Paul Rivet para a Universidade de São Paulo, em virtude das gestões de Paulo Duarte. Emperaire e sua esposa Annette Laming, também pré-historiadora francesa, incentivados por Loureiro Fernandes, realizaram escavações estratigráficas no Sambaqui da Ilha dos Ratos, situado na baía de Guaratuba. Esses trabalhos, juntamente com os desenvolvidos no litoral de São Paulo, representaram um significativo avanço no estudo dos sambaquis brasileiros (EMPERAIRE; LAMING, 1956:80; 1958:165; BIGARELLA, 1959:488).

 

4 Chmyz fig 07

Figura 7. Arqueólogos franceses Joseph Emperaire (à esquerda) e Annette Laming com Loureiro Fernandes, durante as pesquisas no Sambaqui da Ilha dos Ratos, na baía de Guaratuba, em fevereiro de 1956 (Foto: O. Blasi - Acervo do CEPA).

 

Em 1956, Emperaire e Laming foram convidados por Loureiro Fernandes para atender uma ocorrência arqueológica na região de Piraí do Sul, no segundo planalto paranaense. Desse trabalho, que contou com a participação de Oldemar Blasi, resultaram as primeiras informações sobre abrigos-sob-rocha contendo pinturas rupestres (LAMING; EMPERAIRE, 1956a:165; 1956b:337; 1968:81).

Ao convidar os arqueólogos franceses, Loureiro Fernandes estava executando seu plano de diversificar as influências na prática da arqueologia. Já em 1954, ele havia solicitado a Fernando Altenfelder Silva nomes e perfis profissionais de arqueólogos norte-americanos que pudessem se engajar ao seu projeto (correspondência de 26.2.54 - Arquivo do CEPA). Essa intenção foi explicitada mais tarde quando, respondendo correspondência de Joseph Emperaire, declarou que “... há manifestações de Escolas, Técnicas e Métodos cuja influência não podemos deixar de sentir na dinâmica da ciência. Quer me parecer ter sido este um dos motivos pelos quais o Conselho Científico do CEPA planejou o rodízio anual de arqueólogos para que os bolsistas possam ter contatos amplos com homens de ciência e principalmente, com suas técnicas e seus métodos a possibilitar a formação, nas nossas novas gerações, de indivíduos qualificados para os múltiplos sectores da investigação científica.” (Cópia de correspondência manuscrita, de 1957, arquivada no CEPA).

A carta havia sido motivada pelo desentendimento havido entre Emperaire e o arqueólogo Pierre Neuville, também contratado pelo CEPA em 1957. Joseph Emperaire pretendia ser o arqueólogo da Universidade do Paraná, a mesma intenção manifestada antes por Adam Orssich, contrariando o pensamento de Loureiro Fernandes, que visava a colaboração de estrangeiros para a formação de profissionais brasileiros.

As pesquisas executadas pelos arqueólogos estrangeiros sempre foram acompanhadas por graduados brasileiros interessados nessa vertente das ciências humanas. Não havia, entretanto, ensino formal de arqueologia. Objetivando sanar essa lacuna, Loureiro Fernandes, através da Cátedra de Antropologia e Etnografia do Brasil, propôs a criação da Cátedra de Arqueologia Pré-Histórica na Universidade do Paraná. A aprovação unânime da proposta pelo Conselho Técnico-Administrativo da Universidade, assim como de sua Congregação, em 1953, levou-o a considerar em documento encaminhado aos reitores das universidades brasileiras que “estamos certos que damos um primeiro passo para a formação de um arcabouço científico em relação à arqueologia no Brasil.” Valendo-se, ainda, do Primeiro Congresso de Reitores das Universidades Brasileiras, realizado em Curitiba no mês de agosto de 1953, Loureiro Fernandes, como diretor do Instituto de Pesquisas, apresentou documento apelando aos reitores reunidos que fosse votada uma moção em defesa dos sítios arqueológicos. Argumentando sobre a necessidade da mudança de alguns cursos no âmbito das faculdades de filosofia, instituídos com base no Decreto-Lei Nº 1.190/39 e superados pelos progressos realizados, Loureiro Fernandes apontava para uma reestruturação que permitisse a especialização e a investigação científica. Encareceu, também, no mesmo documento, a necessidade do funcionamento da Cátedra de Arqueologia Pré-Histórica “como ocorre nas organizações universitárias européias e de outros paizes da América (...). A Universidade Brasileira prestará ao estudo científico do nosso passado um serviço da mais alta relevância, pois, a par da citada Cátedra surgirão os organismos técnicos e formar-se-ão os cientistas que irão criar a verdadeira pré-história brasileira.” (Arquivo do CEPA).

No desenrolar do Terceiro Congresso Regional de História e Geografia do Paraná, igualmente realizado em Curitiba naquele ano, os seus participantes encaminharam ao Reitor da Universidade do Paraná moção enfatizando o interesse da inclusão, nos planos de trabalho da Cátedra de Arqueologia Pré-Histórica, a pesquisa arqueológica nos locais onde existiram as reduções jesuíticas e vilas espanholas no Paraná.

Outra moção, desta vez redigida por pré-historiadores reunidos em 1954 na cidade de São Paulo, durante o 31º Congresso Internacional de Americanistas e que também contou com a participação de Loureiro Fernandes, encarecia aos poderes competentes do país a importância da cadeira de arqueologia pré-histórica nas faculdades de filosofia das universidades brasileiras. Salientava, ainda, o documento, a necessidade do estudo dos sítios arqueológicos tão ameaçados de destruição, por pesquisadores adequadamente preparados e treinados nas modernas técnicas de escavação.

Quando submetida a plenário, a moção recebeu ponderações do representante oficial da Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior sobre o risco de criação, em todas as faculdades de filosofia, da cátedra de arqueologia pré-histórica sem que se dispusesse de profissionais competentes para o exercício da função. O pensamento reinante no plenário, sintetizado por Loureiro Fernandes, era o de que “as cátedras poderiam ser desempenhadas por indivíduos imbuídos da idéia de cultura geral” (...) “mais uma cátedra para proporcionar o tipo de aula de sobrecasaca, teórica, erudita, enfática e inútil.” (Arquivo do CEPA).

Reconhecendo-se a gravidade desse risco foi sustada, na esfera da Administração Federal, a criação das cátedras de arqueologia pré-histórica nas faculdades de filosofia, como havia sido preconizada originalmente pela Cátedra de Antropologia e Etnografia do Brasil da Universidade do Paraná. O consenso foi pela formação prévia de especialistas. Nesse sentido, os entendimentos mantidos por Loureiro Fernandes com o Conselho Nacional de Pesquisas, a Divisão de Ensino Superior e a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, culminaram com a criação do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas, em 1956. [8]

Na portaria Nº 898, assinada pelo reitor Flávio Suplicy de Lacerda em 5 de dezembro de 1956 instituindo o CEPA figura, porém, como uma de suas finalidades, a manutenção de uma Cátedra de Arqueologia Pré-Histórica, sinalizando que, para Loureiro Fernandes, apesar da solução encontrada, a Faculdade de Filosofia da Universidade do Paraná deveria tê-la.

A primeira reunião dos Conselheiros do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas realizou-se no dia 23 de fevereiro de 1957, na sede do Instituto de Pesquisas, então situado no Edifício Bandeirantes, na rua 15 de Novembro, número 1.050.

Abrindo a sessão, Loureiro Fernandes, que havia sido aclamado como diretor do Centro pelos conselheiros empossados durante ato formal na Reitoria da Universidade, salientou a necessidade do esforço de todos para levar a bom termo a tarefa da formação, no Paraná, de um centro nacional de pesquisas arqueológicas. Adiantou que, credenciado pelo Reitor, já havia mantido contatos com o sub-diretor do Programa Universitário da CAPES, obtendo o auxílio inicial daquela instituição para a manutenção do curso. Do Conselho Nacional de Pesquisas procederiam os recursos especiais para aquisição de equipamentos, bibliografia especializada e execução de trabalhos de campo.

Na Ata consta o programa do primeiro Curso de Arqueologia Pré-Histórica, detalhado por Joseph Emperaire e Annette Laming, arqueólogos contratados para a sua coordenação. Compreenderia “Métodos de escavações e pesquisas de laboratório”, “Registro de documentos arqueológicos”, “Noções de geologia do Quaternário”, “Evolução biológica e cultural da humanidade”, “Povoamento da Austrália” e “Povoamento da América”, entre outros tópicos.

Foi apresentado, também, um plano para as pesquisas de campo: a continuidade das escavações no Sambaqui da Ilha dos Ratos e o início de escavações, em grande escala, no Sambaqui do Guaraguaçu. Deliberou-se sobre a necessidade de prospecções que levassem à descoberta de sítios relacionados a ocupação humana “muito antiga” no planalto paranaense.

Assinaram o Livro de Atas, cujo Termo de Abertura foi redigido pelo próprio diretor do Centro, com as páginas “tipograficamente numeradas e (...) por mim rubricadas com a rubrica ‘Dr. Loureiro’ de que faço uso”, o Presidente da Sessão, José Loureiro Fernandes e os Conselheiros Fernando Altenfelder Silva e Luiz de Castro Faria.

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Figura 8. Portaria de criação do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas, na Universidade do Paraná.

 

A Ata apresenta uma data posterior a da reunião em Curitiba, incluindo a assinatura do Conselheiro Paulo Duarte, em São Paulo, no dia 26 de novembro de 1957. A ausência desse conselheiro à sessão do dia 23 de fevereiro daquele ano foi justificada pelo Presidente, que externou o seu reconhecimento ao representante da Comissão de Pré-História de São Paulo, como “um dos grandes propugnadores em prol dos estudos pré-históricos no Brasil.”

Para o primeiro curso, iniciado em 23 de março de 1957, inscreveram-se 48 alunos. Doze eram graduados, especialmente em Geografia e História. Os demais alunos eram graduandos de Geografia e História, Didática, História Natural, Ciências Sociais, Medicina e Química Industrial, predominando os primeiros.

Constituído por três partes - Teoria, Pesquisas de campo e Trabalhos de laboratório - , o curso dava direito, após a submissão do aluno às provas escrita e oral, a um certificado de freqüência, quando a sua participação limitava-se a primeira parte do programa. O certificado de aproveitamento foi conferido aos que participaram de todo o curso e se submeteram, também, às provas práticas. No campo, esses alunos foram mantidos através de bolsas.

Entre os vários sítios litorâneos abordados durante o curso, destacaram-se o Sambaqui da Ilha do Corisco, na baía de Antonina, e o Sambaqui do Guaraguaçu, na baía de Paranaguá, nos quais foram realizadas escavações. No planalto foram praticadas prospecções nosarredores de Curitiba, com a localização de casas subterrâneas no Município de Campo Largo (BLEY JR., 1976:255; 2002:56). [9]

Na margem do rio Ivaí, no Município de Cidade Gaúcha, atual Município de Guaporema, escavações foram executadas em José Vieira, um importante sítio formado por grupos ceramista e pré-ceramista atestando-se, através deste, a ocupação humana “muito antiga” do Paraná. Os trabalhos foram conduzidos pelos coordenadores do curso e contaram com a participação de bolsistas do CEPA.

No ano seguinte, dois cursos foram estruturados, um sobre “Fundamentos de Arqueologia”, prelecionado por Oldemar Blasi e, outro, de “Introdução à Pré-História da América”, a cargo de Wesley R. Hurt. Este incluíu aulas de campo, aproveitando-se as escavações coordenadas pelo arqueólogo da Universidade americana de South Dakota no Sambaqui do Macedo, em Paranaguá, das quais participaram Oldemar Blasi, José Wilson Rauth, Margarida Davina Andreatta, Maria José Menezes e Maria da Conceição de Morais.

Um curso sobre “Teoria e Método em Arqueologia” foi prelecionado por Luiz de Castro Faria no segundo semestre de 1958, para os alunos que freqüentavam as aulas de Hurt.

Wesley R. Hurt ministrou, ainda, no primeiro semestre de 1959, novo “Curso de Arqueologia Pré-Histórica” enfocando, principalmente, técnicas de escavação e classificação de material arqueológico.

Entre meados de 1959 e de 1960 o CEPA, atendendo a necessidade que tinham os bolsistas e alunos dos cursos anteriores em adquirir conhecimentos mais seguros no domínio das ciências naturais, organizou um plano de aulas sobre as ciências correlatas com a arqueologia. O curso implantado, de “Arqueologia Pré-Histórica e Ciências Afins”, compreendeu vários tópicos: “Elementos de Geologia”, “Considerações Gerais sobre as Faunas de Mamíferos da América do Sul”, “Moluscos Comestíveis do Brasil”, “Fitogeografia Geral e Especial”, “Diatomáceas na Arqueologia”, “Geologia e na Atualidade”, “Introdução à Palinologia e suas Implicações” e, “Zoogeografia e Caracteres Gerais de Chordata e Diferenciais das Classes.”

Esses tópicos foram desenvolvidos por professores da própria Universidade do Paraná: João José Bigarella, Riad Salamuni, Hans Jakobi, Ralph Hertel, Hermes Moreira Filho, Rubens Elke Braga, Jesus Moure e Rudoph B. Lange, este da Faculdade Católica de Filosofia.

Os tópicos relacionados à arqueologia, “As Técnicas de Campo e Laboratório”, “Indústrias Pré-Históricas do Brasil Meridional e sua Classificação”, “O Problema dos Sítios de Superfície” e “Arqueologia da Bacia Amazônica”, estiveram à cargo de Oldemar Blasi, do Museu Paranaense e Secretário do CEPA, Annette Laming-Emperaire, que havia voltado ao Paraná após a trágica morte de Joseph Emperaire na Patagônia Chilena, Fernando Altenfelder Silva, da Universidade de São Paulo e Peter Paul Hilbert, do Museu Paraense Emílio Goeldi.

Entre 1959 e 1960, acompanhada por bolsistas do CEPA, Annette Laming-Emperaire deu continuidade às escavações no Sambaqui do Guaraguaçu e no sítio José Vieira.

Tendo organizado, desde 1955, as expedições da Universidade do Paraná para o estudo dos índios Xetá na Serra dos Dourados, Loureiro Fernandes promoveu, em 1960, a ida da pré-históriadora francesa ao noroeste do Paraná. Viu, Loureiro Fernandes, uma oportunidade excepcional para a abordagem arqueológica da tecnologia ainda presente entre aqueles remanescentes indígenas. A própria pré-historiadora externou a sua emoção com o contato mantido, que lhe proporcionou “...uma experiência maravilhosa estudar, na sua realidade viva e complexa, o que os arqueólogos conheciam normalmente através de vestígios inertes do passado. Tipologia, fabricação, utilização, subitamente, tornaram-se gestos cotidianos, acompanhados de gritos, risos, de bom ou mau humor, da chuva ou do Sol (...) O bom estado do gume verificado pelo ensaio do dedo no fio do instrumento e demonstrado por um sorriso satisfeito, e o utensílio quebrado por uma exclamação de mau humor.” (LAMING-EMPERAIRE; MENEZES; ANDREATTA, 1978:22). Ao regressar das pesquisas na Serra dos Dourados, Annette Laming-Emperaire coordenou novo “Curso de Arqueologia Pré-Histórica.”

Em 1960, ainda, a disciplina Arqueologia Pré-Histórica, baseada no programa do curso de 1957, foi incorporada ao Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, “objetivo precípuo para o qual o CEPA fôra criado: criar definitivamente na Universidade do Paraná o ensino (...) da Arqueologia Pré-Histórica, em bases de poder prestar aos estudiosos desses problemas e às pesquisas sobre nossos sítios, o concurso que se espera de uma organização universitária dessa natureza.” (Relatório de 9.9.1960 - Arquivo do CEPA).

Desde 1961, quando o antigo Curso de Geografia e História foi desmembrado constituindo o Curso de Geografia e o Curso de História, até 1963, a disciplina Arqueologia Pré-Histórica foi lecionada por LoureiroFernandes para os seus alunos. Essa disciplina ainda figura no elenco das ofertadas pelo Departamento de Antropologia do atual Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Novas disciplinas de arqueologia foram estruturadas posteriormente, para atender as demandas de cursos de graduação e pós-graduação na Universidade.

Datações pelo método do Carbono-14 foram obtidas com amostras dos sítios trabalhados no Paraná até meados da década de 1960. Os sambaquis pesquisados por Annette Laming, Joseph Emperaire, Wesley R. Hurt, Oldemar Blasi, Maria José Menezes, Margarida Davina Andreatta e José Wilson Rauth abrangeram, através dessas datações, uma faixa temporal entre 410 d.C. (Sambaqui da Ilha dos Ratos) e 4590 a.C. (Sambaqui do Ramal).

No planalto, as datações relacionaram-se a ocupações de caçadores-coletores generalizados e ceramistas horticultores, referindo-se às escavações de Annette Laming, Joseph Emperaire e Igor Chmyz: 4735 a.C., para o Nível VIII do sítio José Vieira, 570 d.C. e 970 d.C. para sítios da tradição Tupiguarani e 1150 d.C. para sítio da tradição Casa de Pedra.

Os cursos continuaram sendo promovidos pelo CEPA nos anos seguintes, mas dentro de novas perspectivas e dirigidas a um número mais reduzido de interessados, tendo em vista que a disciplina Arqueologia Pré-Histórica supria as necessidades dos cursos regulares. Destinavam-se, os novos, a graduados e graduandos com alguma experiência em pesquisa arqueológica, que tinham, assim, a oportunidade de consolidar os seus conhecimentos teóricos e práticos. Desejava-se, também, que os cursistas desempenhassem um papel multiplicador nas suas regiões de origem.

Nesses moldes implantou-se, em 1962, o “Curso Intensivo de Arqueologia Pré-Histórica.” Compreendeu três meses de aulas teóricas, prelecionadas pelos pesquisadores do CEPA e um convidado, e três meses de campo. Esta atividade foi coordenada por Annette Laming-Emperaire, com participantes do Rio Grande do Sul (Pedro Ignacio Schmitz, do Instituto Anchietano de Pesquisas e José J. Proenza Brochado, da UFRGS), de Santa Catarina (Walter Fernando Piazza, da UFSC e João Alfredo Rohr, do Colégio Catarinense), do Paraná (Maria José Menezes, Margarida Davina Andreatta e Igor Chmyz, do CEPA e, Temístocles dos Santos Júnior, do Departamento de Terras e Colonização), de São Paulo (Marilene A.F. da Costa) e do Rio de Janeiro (Maria da Conceição de Moraes e Maria Andrea R. Loyola, do Museu Nacional e, Ondemar Ferreira Dias Júnior, do Instituto Brasileiro de Arqueologia).

 

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Figura 9. Abertura do Curso Intensivo de Arqueologia Pré-Histórica na Reitoria da UFPR, em julho de 1962, com a presença dos participantes externos. Da esquerda para a direita: Ondemar Ferreira Dias Jr, João Alfredo Rohr, Walter Fernando Piazza, José Proenza Brochado, Marilene A. F. da Costa, Maria Andréa R. Loyola e Pedro Ignácio Schmitz. No centro: José Loureiro Fernandes, diretor do CEPA e Flavio Suplicy de Lacerda, reitor da UFPR (Foto da Assessoria de Imprensa da UFPR - Acervo do CEPA).

 

Cada mês de campo foi dedicado a um sítio paranaense selecionado previamente: o Sambaqui do Toral, localizado na baía de Paranaguá, o Sambaqui do Porto, situado na Ilha dos Rosas, baía de Antonina e a Gruta do Wóbeto, que havia sido descoberta no Terceiro Planalto paranaense e parcialmente estudada em 1960. Os Sambaquis citados foram escolhidos porque apresentavam, segundo Laming-Emperaire, características que os relacionavam a momentos distintos da ocupação humana do litoral. O Sambaqui do Porto foi considerado o mais antigo e tinha a sua base situada abaixo do nível atual do mar; a sua escavação apresentou dificuldades de ordem técnica, sendo preciso o recurso de bomba de sucção.

Durante os trabalhos executados nos sambaquis, a equipe permaneceu alojada nas instalações do Museu de Arqueologia e Artes Populares, que Loureiro Fernandes inauguraria em 1963 no antigo Colégio dos Jesuítas de Paranaguá. Nas suas dependências, também, especialmente no começo da noite, transcorriam as tarefas de laboratório, como limpeza e marcação das peças, seu estudo e elaboração de gráficos, além das discussões dos problemas inerentes às pesquisas. As peças e os dados obtidos na escavação da Gruta do Wóbeto foram trabalhados no laboratório do CEPA, em Curitiba.

A produção resultante das pesquisas desenvolvidas nos cursos anteriores foi manipulada nas instalações do Museu Paranaense, na Rua Buenos Aires, 200, pois nem a Seção de Arqueologia do Instituto de Pesquisas nem o CEPA no seu início dispunham de espaços adequados para as práticas laboratoriais e estocagem. Os acervos reunidos em todos os cursos e projetos acabaram, por isso, depositados no Museu Paranaense, no Museu de Arqueologia e Artes Populares e no CEPA.

O curso realizado em 1964, denominado “Seminário de Ensino e Pesquisa em Sítios Cerâmicos”, há muito vinha sendo planejado por Loureiro Fernandes. Na primeira sessão do Conselho Científico do CEPA, Fernando Altenfelder Silva manifestara-se sobre a necessidade de um enfoque das técnicas de estudo em sítios cerâmicos que estavam em andamento nos Estados Unidos. Altenfelder referia-se ao método quantitativo para estabelecer cronologias culturais, impulsionado por James A. Ford. Este autor havia construído seqüências seriadas com cerâmicas peruanas no final da década de 1940. Clifford Evans e Betty J. Meggers o haviam empregado, no Pará e Amapá, na mesma época. O próprio Altenfelder participou, em 1961, de um seminário sobre o método quantitativo, em Barranquilha, na Colômbia, chegando a aplicá-lo, em seguida, com coleções cerâmicas do Estirão Comprido, Ciudad Real del Guayrá, São Carlos e Piracicaba (SILVA, 1961/62:377).

Loureiro Fernandes tentou, em várias ocasiões, realizar um curso que possibilitasse a Evans e Meggers, a exposição e a prática daquela metodologia para brasileiros. Durante o 31º Congresso Internacional de Americanista, ocorrido em 1954 em São Paulo, Loureiro Fernandes insistiu, junto aos dois arqueólogos norte-americanos presentes, sobre a conveniência do curso. Não foi ainda possível, porque “uma série de situações (...), desde a falta de estudantes qualificados e interessados em arqueologia [grifo nosso], até nossas pesquisas de campo [planejadas], impediu que aceitássemos o convite. Contudo, a persistência do Dr. Loureiro Fernandes não esmorecia, renovando o convite quase todos os anos.” (EVANS, 1967:7). As condições para que o curso acontecesse surgiram em 1964, em parte graças à formação proporcionada pelo CEPA, nesse meio-tempo, a uma parcela dos participantes. Dos 11 inscritos para o Seminário, oriundos do Pará, Rio Grande do Norte, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, seis haviam freqüentado seus cursos anteriormente.

Para o Seminário foram utilizadas coleções provenientes de pesquisas feitas nas margens do rio Paranapanema, em São Paulo e Paraná, nas imediações da Usina Hidrelétrica Salto Grande e, que se caracterizavam como estudo de área ampla (CHMYZ et alii, 1968:8). [10] As práticas de laboratório começaram no CEPA e prosseguiram no Museu de Arqueologia e Artes Populares, que na época oferecia melhores condições de trabalho para o grupo, bem como de alojamento, favorecendo o seu entrosamento.

Durante o Seminário, com o material procedente do vale do rio Paranapanema, definiu-se a fase Cambará, relacionada à tradição arqueológica Tupiguarani. Das discussões mantidas pelos participantes surgiu um glossário, com a definição de termos ligados, principalmente, aos sítios cerâmicos. Delas resultou, também, a estruturação de um projeto coordenado em onze estados brasileiros.

Denominado Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (Pronapa), o projeto foi desenvolvido pela maioria dos integrantes do Seminário e por outros que dele não participaram. Alguns pesquisadores que não haviam integrado o Seminário ou o Pronapa, realizaram posteriormente estágios no CEPA e em outras instituições, junto aos trabalhos do Programa, passando a utilizar o método quantitativo para o estabelecimento de cronologias culturais.

Em ritmo intenso, os dados obtidos foram analisados e interpretados, sendo elaboradas notas prévias sintetizando a produção anual. Até 1973, embora as pesquisas tivessem sido realizadas entre 1965 e 1970, o Programa manteve reuniões para a troca de informações e resolução de problemas surgidos.

 

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Figura 10. Instalação do Seminário de Ensino e Pesquisa em Sítios Cerâmicos, em outubro de 1964, na Reitoria da Universidade Federal do Paraná. Da esquerda para a direita: Walter Fernando Piazza, Mário Ferreira Simões, Nássaro A. de Souza Nasser, Ondemar Ferreira Dias Júnior, João Alfredo Rohr, Valentin Calderón, Maria Heloisa Fenelon Costa, Igor Chmyz, Betty J. Meggers, José Nicolau dos Santos (Reitor), Clifford Evans, José Loureiro Fernandes, Maria Lúcia Fleury da Rocha, Helena Isabel Müeller e Fernando Altenfelder Silva (Foto da Assessoria de Imprensa da UFPR - Acervo do CEPA).

 

Com exceção da “Terminologia arqueológica brasileira para a cerâmica”, que teve dois ensaios publicados pelo CEPA (1966 e 1969) e, a versão corrigida e ampliada, pelo MAAP (1976), os demais produtos do Programa foram divulgados pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, na série de Publicações Avulsas (de 1967 a 1974). Individualmente ou em conjunto, outros artigos gerados pelo Pronapa foram veiculados através de periódicos do país e exterior.

A multiplicação de fases, estabelecidas em decorrência dos estudos do Pronapa e de outros pesquisadores, levou à organização de um “Índice das fases arqueológicas brasileiras” por Mário F. Simões (1972), do Museu Paraense Emílio Goeldi. Esta Instituição editou, também, o “Guia para prospecção arqueológica no Brasil”, elaborado por Clifford Evans e Betty J. Meggers (1965).

O Pronapa criou, ainda, um sistema trimonial para a designação de sítios arqueológicos que, por meio de siglas, possibilitava a sua rápida identificação e localização no espaço brasileiro. Essa produção foi encaminhada ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1968, e aprovada. As “Áreas da Amazônia Legal Brasileira para pesquisa e cadastro de sítios arqueológicos”, confeccionadas por Mário F. Simões e Fernanda de Araújo-Costa dentro desse sistema, foram divulgadas pelo Museu Goeldi, em 1978. Os demais mapas dos estados brasileiros divididos em áreas para os mesmos propósitos, não foram publicados.

Loureiro Fernandes desejava editar os relatórios preliminares do Pronapa, tendo em vista que este se originara de um curso por ele organizado; considerou a sua publicação através do Museu Paraense Emílio Goeldi como uma demonstração de desprestigio, por parte de seus coordenadores, aos esforços do CEPA em prol da arqueologia brasileira. Em 1966 Loureiro Fernandes afastou-se da direção do CEPA, dedicando-se ao MAAP e a outros afazeres. [11]

Nesse mesmo ano, Annette Laming-Emperaire voltou a colaborar com o CEPA, ministrando o “Seminário de Ensino e Pesquisas em Sítios Pré-Cerâmicos”, cujas práticas de campo transcorreram junto ao Sambaqui do Porto, na baía de Antonina e, de laboratório, nas instalações do MAAP. Contou com a participação de pesquisadores do Rio Grande do Sul (Pedro Ignacio Schmitz, do Instituto Anchietano de Pesquisas), de Santa Catarina (João Alfredo Rohr, do Museu do Homem do Sambaqui e Anamaria Beck, da UFSC), do Paraná (Margarida Davina Andreatta, Igor Chmyz e Celso Perota, do CEPA), do Rio de Janeiro (Braz F. R. S. Winkler Pepe, do Instituto de Arqueologia Brasileira) e de Pernambuco (Marcos A. G. de Matos de Albuquerque, da UFPE).

Na ocasião, João Alfredo Rohr teve a oportunidade de demonstrar a técnica para a retirada de blocos-testemunho que desenvolvera em sítios de Santa Catarina. Um dos enterros escavados no Sambaqui do Porto foi por ele cimentado e removido, figurando nas exposições do MAAP, como documento de prática funerária. A técnica de Rohr foi divulgada pelo CEPA, em 1970.

Termos relacionados à tecnologia lítica foram discutidos durante o seminário, resultando na publicação, pelo CEPA, de um “Guia para o estudo das indústrias líticas na América do Sul.” (LAMING-EMPERAIRE, 1967).

As pesquisas que haviam sido realizadas em 1964 e 1965 junto à barragem da UHE Salto Grande, nas margens do Paraná e São Paulo no rio Paranapanema, levaram a um novo direcionamento as pesquisas do CEPA. A constatação, a partir desse momento, da existência de grandes espaços territoriais ameaçados por futuros empreendimentos hidrelétricos, motivou a estruturação de projetos de salvamento.

O resgate arqueológico do vale do rio Itararé, na parte afetada pela construção da UHE Xavantes (USELPA/CESP), foi desenvolvido entre 1965 e 1968, abrangendo as margens de São Paulo e Paraná. Em 1965 foram resgatados, ainda, sítios encontrados na área prioritária da UHE Salto Grande, no médio rio Iguaçu (COPEL).

Paralelamente, as pesquisas do Pronapa no Paraná, executadas em trechos selecionados dos rios Paranapanema, Ivaí, Tibagi, Iguaçu e Paraná incluindo, conforme o caso, as margens limítrofes dos estados de São Paulo, Mato Grosso (do Sul) e Santa Catarina impediram, até o final da década, que o CEPA continuasse realizando os seus tradicionais cursos. Não deixou, entretanto, de contribuir para o treinamento de pessoal, pois admitia acadêmicos e graduados como estagiários nos projetos de salvamento e no Pronapa.

Desde o final de 1964, também, o CEPA passou a colaborar com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em função da Lei Nº 3.924/61. Loureiro Fernandes foi designado, por meio de portaria, como delegado do IPHAN para assuntos de arqueologia no Estado do Paraná. Permaneceu nessa função até 1968, sendo substituído por Maria José Menezes, na faixa litorânea, e por Igor Chmyz, no planalto. Este, a partir de 1972, acumulou a delegação recebida do IPHAN também na faixa litorânea, exercendo-a até 1987, quando aquele Instituto foi reorganizado, com o estabelecimento de coordenadorias regionais.

Em 1972, durante a implantação da reforma nas universidades federais, o CEPA, que estivera ligado ao extinto Instituto de Pesquisas, desejando se adequar à nova estrutura, solicitou a sua vinculação à Universidade como Órgão Suplementar. No final do mesmo ano, porém, o MAAP, então subordinado à Reitoria da Universidade, foi oficializado como seu Órgão Suplementar, tendo o seu Regimento Interno aprovado no ano seguinte. Caracterizou-se, assim, no tocante à arqueologia, a duplicidade de funções sob a égide da mesma unidade administrativa. O grupo de trabalho designado pela Reitoria para estudar o impasse, opinou pela extinção do CEPA.

Nesse meio-tempo, o “Curso de Técnicas Arqueológicas Aplicáveis a Sítios Pré-Cerâmicos”, que estava sendo organizado pelo CEPA para ser ministrado por Annette Laming-Emperaire, foi executado pelo MAAP, entre 25 de junho e 20 de julho de 1973, com a colaboração do IPHAN. Destinou-se a arqueólogos e graduados em História, Geografia e Ciências Sociais e, foi chancelado pelo Conselho de Ensino e Pesquisa da UFPR, na categoria do Curso de Aperfeiçoamento, equivalendo a 5 créditos.

As aulas de campo transcorreram no sítio PR P 30: Sambaqui do Centenário, um sítio encontrado intacto na mata circundante da baía de Paranaguá. As peças procedentes das escavações foram lavadas, numeradas e analisadas no próprio local, em laboratório armado ao lado do acampamento estabelecido nas imediações do sítio. [12] A elaboração do relatório técnico-científico do curso pelos participantes, ocorreu nas dependências do MAAP.

O curso teve, pela primeira vez na história dos promovidos em arqueologia pela UFPR, alunos estrangeiros: Magdalena Carrillo Cruz, do Colégio M. Manuela Cañizares, de Quito, Equador e Miguel Mendes Gutierrez, da Universidade de Cauca, em Popayán, Colômbia. A primeira era bolsista do Itamaraty para pós-graduação em Antropologia Social na Universidade de São Paulo.

Os demais participantes procederam do Rio Grande do Sul (Fernando La Salvia, da Universidade de Caxias do Sul e Arno Alvarez Kern, da UFRGS), Santa Catarina (Afonso Imhof, do Museu Arqueológico de Sambaqui, Joinville e Sérgio Schmitz, da Fundação Educacional do Sul, Tubarão), Paraná (Igor Chmyz, da UFPR e Dalvina Henriqueta Meneghel Abarca, da Faculdade de Filosofia de Paranaguá), São Paulo (Eneida Maria Cherino Malerbi), Rio de Janeiro (Lília Maria Tavares Cheuiche, do Instituto de Arqueologia Brasileira), Espírito Santo (Celso Perota, da UFES), Goiás (Edna Luisa de Melo do Museu Antropológico/UFGO), Mato Grosso, (Lehel de Silimon, do Museu Rondon/UFMT e CODEMAT) e Pará (Ana Lúcia Costa Machado, do Museu Paraense Emílio Goeldi). Foram admitidos, ainda, dois alunos especiais: Maria das Graças Cassaroto, acadêmica do Curso de História da UFPR e estagiária do CEPA e, Sidney Anthonioz, aluna de Laming-Emperaire na École Pratique des Hautes Études, em Paris. Três pesquisadores brasileiros eram bolsistas do CNPq.

 

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Figura 11. Participantes do Curso de Aperfeiçoamento em Técnicas Arqueológicas Aplicáveis a Sítios Pré-Cerâmicos, em julho de 1973, sobre o Sambaqui do Centenário. Sentados, da esquerda para a direita: Magdalena Carrillo Cruz, Dalvina Henriqueta Meneghel Abarca, Edna Luísa de Melo, Celso Perota, Ana Lúcia Costa Machado, Fernando La Salvia e Lília Maria Tavares Cheuiche. Em pé: Miguel Mendes Gutierrez, Sidney Anthonioz, Lehel de Silimon, José Loureiro Fernandes, Annette Laming-Emperaire, Arno Alvarez Kern, Sérgio Schmitz, Maria das Graças Cassaroto, Eneida Maria Cherino Malerbi, Afonso Imhof e Igor Chmyz (Foto da Assessoria de Imprensa da UFPR - Acervo do CEPA).

 

Loureiro Fernandes vivia em constante preocupação, diante das dificuldades encontradas para manter o MAAP funcionando após a sua inauguração. Aberto à visitação pública graças ao convênio assinado entre a UFPR e o IPHAN, o MAAP esteve ameaçado, logo em seguida, de fechar suas portas devido à falta de apoio institucional. Paliativamente, uma solução foi encontrada, através de um convênio, possibilitando que o Museu tivesse as suas necessidades mínimas supridas pela Prefeitura Municipal de Paranaguá. Tentativas haviam sido feitas por ele para a filiação do MAAP ao Departamento de Antropologia, então no Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Letras. Esperava que os professores do Departamento se encarregassem das pesquisas e, assim, mantivessem o Museu atuante.

Nesse contexto, a duplicidade de funções entre o CEPA e o MAAP configurava-se, para Loureiro Fernandes, como mais uma ameaça à continuidade do seu último empreendimento. Essa angústia era insistentemente explicitada nas conversações que mantinha com o diretor do CEPA.

Combalido em conseqüência de uma grave lesão circulatória e pela falta de receptividade da Universidade aos assuntos do Museu, Loureiro Fernandes ainda perseguia obstinadamente os seus ideais. Como sempre procedera junto aos antigos cursos do CEPA, visitando alunos e equipes de pesquisa nos sítios-escola para conversar e se inteirar dos resultados, também esteve presente no Sambaqui do Centenário, apesar das dificuldades que tinha para se locomover.

Nos anos seguintes, pesquisas de pequena envergadura foram praticadas sob a égide do MAAP, na maioria desenvolvidas por arqueólogos do paralisado CEPA. Esses trabalhos permitiram a constatação de sítios relacionados a grupos com economia e tecnologia diferentes das observadas em sambaquis. Referiam-se a ocupações de caçadores-coletores generalizados com diversificada indústria lítica, inclusive pontas de flechas e horticultores ceramistas vinculados às tradições Itararé e Tupiguarani. Sítios históricos do período colonial, também começaram a ser evidenciados em grande quantidade, alguns relativos ao início do contato entre europeus e índios Tupi. [13]

A trajetória de Loureiro Fernandes cessou no dia 16 de fevereiro de 1977, consternando a comunidade intelectual. Não conseguiu, porém, o criador das bases da moderna arqueologia no Paraná, ver consolidado o MAAP, projeto ao qual dedicou muitos anos com especial carinho. As dificuldades de ordem estrutural e conjuntural que sempre enfrentara naquela Casa, continuaram após a sua morte.

O CEPA, paralisado em 1975 em função do MAAP, foi reimplantado em 1985, como Órgão Auxiliar do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. A vinculação do Centro ao Setor começou a ser considerada após a manifestação do grupo de trabalho que elaborou o “Relatório de avaliação da reforma universitária no Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes”, em 1979; reconhecendo que a decisão tomada em 1975 com relação ao CEPA não resultou satisfatória, o grupo solicitava maior interesse dos órgãos colegiados superiores da Universidade para o caso (UFPR, 1979:27).

Nesse intervalo, diante das dificuldades operacionais do MAAP, os resgates arqueológicos junto à UHE Itaipu (1975/1983), à UHE Salto Santiago (1979/80), à UHE Foz do Areia (1980/81) e à UHE Rosana-Taquaruçu, na sua primeira etapa (1982/83), foram realizados pelo Laboratório de Arqueologia do Departamento de Antropologia.

Com o restabelecimento da situação anterior, o CEPA pôde, contando com a participação de estagiários e pesquisadores associados, dar continuidade às suas tarefas. Implantou, em colaboração com o Departamento de Antropologia, o Curso de Extensão Universitária sobre “Técnicas Arqueológicas Aplicáveis à Área de Salvamento”, com aulas no espaço do futuro reservatório do rio Passaúna, na região metropolitana de Curitiba, aliando-o a um projeto de salvamento (1985/86). Desenvolveu a segunda etapa do Projeto Arqueológico Rosana-Taquaruçu (1986/92), o Projeto Arqueológico Salto Segredo (1991/94) e o Projeto Arqueológico Canoas (1992/99), entre outros. Fora do Paraná, executou o Projeto Arqueológico Nova Ponte (1992/93) e o Projeto Arqueológico Miranda (1995/99), ambos situados na região do Triângulo Mineiro.

Em função da Resolução Nº 001/86, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, o CEPA passou a realizar estudos de impacto ambiental, enfocando a arqueologia e a etno-história em vários pontos do território brasileiro. Participou, também, de planos de manejo em áreas de preservação ambiental, como o Parque Nacional do Iguaçu (1998/99) e Ciudad Real del Guayrá (1999).

A sua produção está sendo divulgada através do periódico “Arqueologia”, que foi reativado, e de monografias patrocinadas pelos financiadores dos projetos de salvamento.

Em que pesem todos os percalços e contratempos enfrentados, a implantação do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas, do Departamento de Antropologia e do Museu de Arqueologia e Artes Populares no âmbito da Universidade Federal do Paraná representa o legado de José Loureiro Fernandes para a arqueologia do Paraná, com reflexos na arqueologia brasileira. Luiz de Castro Faria, ao ponderar sobre os problemas da antropologia do país no decênio transcorrido entre a primeira e a sexta reuniões brasileiras de antropologia enfatizou que, em 1953, “... fazia-se muito pouco [em arqueologia], mas já se pensava seriamente na planificação de pesquisas sistemáticas e no aparelhamento de alguns núcleos para esse fim. Em Belém, Curitiba e Rio de Janeiro havia trabalhos em marcha, mas representavam ainda esforços pessoais...”. Avaliou que, quando da terceira reunião, em 1958, naqueles três núcleos “...realizava-se um trabalho intensivo de preparação de pesquisadores, várias jazidas eram exploradas e uma problemática segura começava a ser firmemente estabelecida.” Concluiu a sua análise, salientando que “... nessa obra de criação de uma infraestrutura devidamente integrada no sistema institucional universitário (...) Loureiro Fernandes, com o seu Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas [foi o que] desempenhou o papel mais importante.” (1963:18).

 

PALAVRAS FINAIS

Traçar a trajetória de José Loureiro Fernandes pelo campo da arqueologia paranaense e, dos seus reflexos na arqueologia brasileira, não foi uma tarefa fácil. O que aqui se alinhavou, corresponde a uma pálida visão da sua atuação. As dificuldades, em parte, foram devidas à sua circunspecção, pois, conforme o depoimento do professor Mário de Abreu, colhido por repórter no dia de sua morte, Loureiro Fernandes era “Homem humilde ao extremo [e] tinha o hábito de guardar para si, informações sobre a própria vida (...) Nem mesmo o Centro de Estudos Portugueses, criado por ele na Universidade Federal do Paraná, dispunha de dados que pudessem dar uma visão mais ampla de todas as atividades do mestre.” (GAZETA DO POVO, 17 de fevereiro de 1977).

A literatura produzida por Loureiro Fernandes não foi por nós encontrada reunida em nenhuma das instituições que criou ou freqüentou. Os 54 títulos agora mantidos na biblioteca do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal do Paraná, tratando de arqueologia, índios, museus, história, geografia e folclore, foram garimpados nas várias bibliotecas especializadas da Universidade Federal do Paraná, Museu Paranaense, Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, Círculo de Estudos Bandeirantes e Biblioteca Pública do Paraná, assim como em bibliotecas particulares.

A produção mais volumosa de Loureiro Fernandes, entretanto, está contida nos inúmeros ofícios, cartas, relatórios, discursos, entrevistas concedidas a periódicos, palestras e artigos não publicados, arquivados em diversas instituições. Essa dispersão documental, que dificulta a pesquisa e a coleta de dados evidencia, por outro lado, o seu dinamismo e interação com os locais freqüentados.

Artigos elaborados na década de 1940, versando sobre “Indústrias locais” e, “Contribuição ao estudo do mobiliário e dos utensílios”, ambos relacionados à população cabocla do litoral paranaense, permaneciam depositados no atual Museu de Arqueologia e Etnologia de Paranaguá e foram publicados em 1996, graças aos esforços de Zulmara Clara Sauner Posse. Uma síntese do texto “Possibilidades de pesquisa e de exercício de atividades técnico-profissionais”, apresentado por Loureiro Fernandes durante a Primeira Reunião Brasileira de Antropologia, em 1953, que se encontrava arquivado no Círculo de Estudos Bandeirantes, foi divulgada por Maria Regina Furtado (1999:53).

A produção arquivada é a que expressa com mais clareza o seu pensamento, seus projetos e anseios e, os que documentam os embates travado em prol dos seus ideais. Muitos desses documentos retratam as frustrações que o levaram a interromper bruscamente um empreendimento perseguido com denodada dedicação. A análise dessa documentação ainda está por ser feita.

Uma tentativa para resgatar a memória de José Loureiro Fernandes surgiu na última década do século XX, através de um convênio celebrado entre a Universidade Federal do Paraná e a Secretaria de Cultura do Estado do Paraná. O projeto resultante, coordenado por Sônia Maria Breda, Veraluz Zicarelli Cravo, Zulmara Clara Sauner Posse e Beatriz T. de Melo Miranda e, executado por Blanca Guilhermina Rojas e Silvana de Fátima Bojanoski produziu, em 1993, uma relação de documentos por ele depositados no Círculo de Estudos Bandeirantes. Os itens arrolados tratam de várias instituições e abrangem diversos assuntos, constituindo importante referencial. Foram encontradas, entre os papéis guardados, anotações incompletas sobre sítios arqueológicos e sambaquis do litoral paranaense. Outros fragmentos desses textos datilografados, corrigidos e ampliados (um deles afeto ao sítio do Estirão Comprido, publicado em co-autoria com Oldemar Blasi, em 1956 e, outro, sobre o Sambaqui de Matinhos, divulgado em 1955), estão arquivados no CEPA. No anverso das páginas do texto do Sambaqui de Matinhos, estão anotações das palestras e conferências assistidas por Loureiro Fernandes durante o 30º Congresso Internacional de Americanistas, na Inglaterra, em 1952, além de outras referentes às visitas feitas a museus europeus, que continuam em folhas não reutilizadas.

Era seu hábito, também, reaproveitar envelopes de correspondências recebidas para anotações e rascunhos de artigos e missivas; cuidadosamente descoladas e desdobradas, as folhas resultantes eram utilizadas em ambas as faces orientando-se, as linhas dos textos, de acordo com os espaços disponíveis.

A constatação dessa aversão pelo desperdício, uma consciência ecológica que passou a existir mais recentemente na nossa sociedade, bem como de outros comportamentos marcantes da sua personalidade, foi privilégio dos que privaram do seu cotidiano.

Devido aos seus afazeres durante o expediente normal em Curitiba, costumava aproveitar os finais de semana para a montagem das exposições do Museu de Arqueologia e Artes Populares de Paranaguá, sempre acompanhado pelas equipes do Departamento de Antropologia e Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas, classificando-se e, aos demais que o auxiliavam, como “estivadores do ensino e da pesquisa”. Isto porque, além de consagrar às atividades os dias de descanso e, devido à falta de pessoal de apoio no Museu, os envolvidos tinham de realizar tarefas complementares, alheias à sua especialidade, como serrar, pregar, pintar e aplicar pesticidas, entre outras.

Entre os afazeres na Capital, especialmente na década de 1970, os que mais ocupavam o seu tempo eram os contatos mantidos com as autoridades da Universidade Federal do Paraná. Freqüentava assiduamente os gabinetes do reitor e pró-reitores, levando-lhes as suas preocupações com relação ao Museu de Paranaguá. Nesses locais, quando em trânsito, balizava a sua presença depositando, sobre algum móvel, o seu inseparável chapéu. Não levava somente os problemas, mas apresentava sugestões para a sua solução, tendo em vista a sua larga experiência em administração. Esbarrava quase sempre, porém, nos entraves burocráticos; nesses momentos, costumava comentar que a “Universidade acentuava demais os erres da burocracia.”

O reconhecimento público pela contribuição de José Loureiro Fernandes para o engrandecimento da Universidade Federal do Paraná, foi expressado pelo reitor Theodócio Atherino, através da imprensa local, por ocasião do seu passamento:

“O querido e saudoso mestre José Loureiro Fernandes foi um restaurador da vida, um criador da vida. Nestas expressões que caracterizam toda uma dedicação profunda vejo o esforço maior de um homem voltado para os nossos costumes, hábitos, nas festas populares e no folclore que era capaz de reviver com a pertinácia e a teimosia de seu espírito criador.

Estudioso de nossas tradições, sabia encontrar nos guardados do fundo da alma coletiva origens e procedimentos que fazem do brasileiro um povo de cultura ocidental, enraizado no longo passado português.

Nada mais parecia restar das festas populares. Nenhuma notícia chegava até nós de que nem tudo estava perdido, soterrado por novos procedimentos culturais e eis que o nosso querido e saudoso mestre José Loureiro Fernandes, com uma sensibilidade verdadeiramente genial, era capaz de descobrir os resquícios dessas festas e de reanimá-las com seu sopro criador. Onde esses resquícios existissem, lá estava ele, sempre incansável, batalhador, despreocupado da própria saúde e de assuntos de ordem pessoal.

Em nosso descaso pela cultura, o Paraná não ouviu seus apelos pela salvação do que restava entre nós da vida aborígene da Serra dos Dourados, que ele soube pesquisar antes que tudo desaparecesse na voragem do progresso. Mas o Serviço Nacional do Índio reconheceu-lhe o mérito (...) ao conceder-lhe a medalha de ouro da consagração nacional.

O Museu de Paranaguá, criado e mantido graças à pertinácia do professor José Loureiro Fernandes, é daquelas obras que consagram uma vida, retratando o homem no monumento que nos legou.

Querido mestre (...) viemos trazer-lhe também o reconhecimento e a gratidão da Universidade, a grande beneficiária de seu esforço criador.

Há uma coincidência de imagens, daquela que perdura e há de perdurar e daquela que o manteve ao longo dos anos de atividade, e essa coincidência é que alicerça a perenidade de seu nome.

Sua glória feita de modéstia, de compreensão, de simpatia humana e de solidariedade, nunca será esquecida. Glória do homem que soube servir, esquecido de si mesmo, para que a vida pudesse ser recriada em toda a sua plenitude cultural.

Também a Universidade é sua obra, orgulhosa do mestre, a conservar no espírito que a mantém e anima, um espírito de tanta beleza, grande e puro, como era o seu espírito.” (GAZETA DO POVO, 17 de Fevereiro de 1977).

Às manifestações veiculadas pela imprensa local somaram-se outras, prestadas por antigos assistentes e colegas, através de depoimentos ou artigos divulgados em periódicos. Marília Duarte Nunes, sua constante colaboradora no Museu Paranaense, Departamento de Antropologia e Museu de Arqueologia e Artes Populares, sobre ele escreveu no periódico Nheengatu (1977). Maria José Menezes, então diretora do Museu de Arqueologia e Artes Populares, editou um número especial dos Cadernos do Museu reunindo, além do seu, os depoimentos de Ralph J. G. Hertel e Annibal Ribeiro Filho e textos especialmente produzidos por Rosário Farani Mansur Guérios, Berta G. Ribeiro e Maria da Conceição de M. C. Beltrão (1977). Uma tese de doutorado em arqueologia, defendida em 1973 na Universidade de São Paulo, ao ser publicada pelo então Departamento de Psicologia e Antropologia da UFPR em 1977, foi a ele dedicada.

Em 13 de janeiro de 1987, por ocasião do cinqüentenário do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Ministério da Cultura conferiu a Loureiro Fernandes a Medalha Rodrigo Mello Franco de Andrade, na Área de Arqueologia.

Como essa data marcava, também, os dez anos do passamento de Loureiro Fernandes, o Departamento de Antropologia se empenhou para publicar uma coletânea em homenagem ao seu fundador. Reunindo dezenas de contribuições preparadas por arqueólogos, antropólogos e historiadores, o departamento não conseguiu concretizar a iniciativa. Um dos artigos encaminhados para compor a coletânea, o que enfocava as pioneiras escavações de Loureiro Fernandes no Sambaqui de Matinhos e os resultados de nova abordagem nos seus remanescentes em 1977, foi publicado na revista Arqueologia do CEPA e lançado em 2003 durante o “Seminário comemorativo do Centenário do Nascimento de Loureiro Fernandes”, organizado pelo CEPA e Departamento de Antropologia. Os anais desse evento foram divulgados em 2005, igualmente através de número especial da revista Arqueologia, enfeixando depoimentos e contribuições de vinte pesquisadores.

No ano do centenário, ainda, Valério Hoerner Júnior publicou o livro “José Loureiro Ascenção Fernandes. O Homem e o Meio”, nº 13 da Série Registro do Legado de Educadores da PUCPR (2003). Poucos anos antes, Antônio Garcia havia editado o livro “Dr. Loureiro Fernandes. Médico e Cientista.” (2000), no qual, como o autor anterior, enfocou aspectos da vida profissional do grande pesquisador e incentivador das ciências humanas.

 

 

ABSTRACT:

The present research encompasses the work of Jose Loureiro Fernandes in Brazilian archaeology. Loureiro Fernandes, although a physician, dedicated his life to innumerous anthropological studies. As part of the Círculo de Estudos Bandeirantes, Museu Paranaense and Universidade Federal do Paraná, Fernandes campaigned for protective legislation for archaeological sites throughout Paraná and Brazil. Loureiro Fernandes was responsible for the creation of the Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas, the Anthropology Department and the Museu de Arqueologia e Artes Populares at the Universidade do Paraná, thus enabling future archaeological research and the education of archaeologists.

 

KEY-WORDS: Paraná Archaeology; Brazilian Archaeology; History of Archaeology; Legislation.

 

 

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[1] Vila Rica e Guaíra, especificadas na Lei Nº 33 como reduções jesuíticas eram, na verdade, Villa Rica del Espiritu Santo e Ciudad Real del Guayrá, estabelecidas pelos militares espanhóis na segunda metade do século XVI, após o malogrado povoado de Ontiveros. As reduções jesuíticas começaram a ser fundadas no início do século XVII, no vale do rio Paranapanema espalhando-se, nos anos seguintes, pelos vales do Tibagi, Ivaí, Piquiri e Iguaçu, em número superior ao abrangido pela legislação.

[2] Durante os trabalhos de Loureiro Fernandes no Sambaqui de Matinhos ocorreu um incidente com o colecionador Guilherme Tiburtius que, na sua ausência adquiria, dos operários da Diretoria de Obras e Viação, as peças arqueológicas encontradas no desmonte (Comunicação pessoal de Loureiro Fernandes em 1963). O próprio Tiburtius menciona a sua expulsão da área do sambaqui em um de seus relatórios declarando, inclusive, que realizava “...secretamente algumas escavações maiores apenas nos meses de inverno por causa da proibição do Diretor do Museu. Encontrei material em grande quantidade e muito valioso, além de muitos esqueletos.” (1996:25 e 27).

[3] A continuidade da lavra desses sambaquis, a partir de 13 março de 1956, foi propiciada pelo Decreto Nº 39.803, de 16 de agosto do mesmo ano. Como nele não constou qualquer referência ao patrimônio arqueológico, que figurava no primeiro decreto, o Ministério da Agricultura publicou o Decreto Nº 45.256, em 15 de janeiro de 1959, alterando a redação do anterior e incluindo o artigo referente “à defesa do material científico e proto-histórico existente na jazida.”

Declarada caduca a autorização de lavra, em 9 de maio de 1973 (Decreto Nº 72.192), por infringência de dispositivo, o DNPM propôs, no dia 2 de fevereiro de 1976, a colocação da área em pauta em disponibilidade de pesquisa.

Antes que isso acontecesse, o DNPM solicitou ao então representante do IPHAN para assuntos de arqueologia no Paraná um parecer sobre os remanescentes dos sambaquis do Canal Varadouro de Cima.

No Processo Nº 5.101/55, encaminhado pelo DNPM, constam descrições, perfis e plantas plani-altimétricas detalhadas do local atingido pela exploração. Verifica-se que os sítios destruídos eram em número de três, sendo dois geminados. Estes distavam 45m da margem do canal e mediam 40x30m e 80x50m de base, respectivamente; a altura do primeiro era de 10m e, a do segundo, 11m. O terceiro sambaqui, situado ao lado dos anteriores e a 100m de distância do canal, media 60x45m de base e tinha 12m de altura.

Tendo em vista a importância dos remanescentes de sambaquis para os estudos de implantação, cronologia e geomorfologia, o parecer emitido em 29 de abril de 1981 foi pela não colocação da área em disponibilidade para pesquisa de cunho comercial (Arquivo do CEPA).

[4] Loureiro Fernandes retirou os esqueletos mais significativos do Sambaqui de Matinhos, recorrendo à técnica do gessamento. Estes permaneceram depositados no Museu Paranaense até o início da década de 1960. O que documentava o enterro secundário foi utilizado nas exposições do Museu de Arqueologia e Artes Populares de Paranaguá.

No remanescente do sambaqui praticou-se, na década seguinte, uma intervenção de emergência para a remoção de conjunto funerário ameaçado por construção de casa. Um esqueleto de indivíduo masculino adulto estava no solo arenoso, abaixo dos resíduos do depósito conchífero e tinha, ao seu lado, sobre o braço direito, o esqueleto de uma criança (CHMYZ et alii, 2003:20).

[5] Fragmentos de recipientes cerâmicos foram detectados por Bigarella na camada superficial de alguns sambaquis, indicando a sua reocupação por grupos portadores de tecnologias diferentes. Em dois sítios registrados, os restos da fauna malacológica estavam misturados com grande quantidade de cerâmica e foram diferenciados pelo autor como “jazidas páleo-etnográficas”. A sua cerâmica foi atribuída aos índios Guarani.

Referências anteriores à cerâmica arqueológica Tupiguarani eram escassas no território paranaense. No litoral, foram fornecidas por Ermelino de Leão (1919:237), Romário Martins, 1925:23 e Loureiro Fernandes (1947:14). Para o planalto havia registros de Telêmaco Borba (1908) e enfoques mais consistentes de Virgínia D. Watson, em Ciudad Real del Guayrá, no oeste (1947:163) e Herbert Baldus, no nordeste (1951/2:1).

[6] Os números seguintes da nova série dos Arquivos do Museu Paranaense vinculados à sua Seção de Antropologia vieram à luz a partir de 1963, quando o Museu já estava subordinado à Secretaria da Educação e Cultura. Este ano marca, também, o início das publicações da Seção de Arqueologia.

[7] Algumas das interpretações de Orssich, como a presença de buracos-de-estacas relativos a estruturas habitacionais no sambaqui, causaram certa comoção entre os estudiosos da arqueologia brasileira, ocasionando o seu ostracismo. As críticas às idéias de Orssich estão sintetizadas em um artigo de Paulo Duarte, da Comissão de Pré-História de São Paulo (1955:613).

As constatações de Orssich no Sambaqui do Araújo II, porém, continuaram latentes. Ao preparar um resumo das atividades do CEPA para o Núcleo Regional de Antropologia no Paraná em 1961, Loureiro Fernandes referiu-se aos resultados das escavações de Anette Laming-Emperaire no Sambaqui do Guaraguaçu, no tocante ao habitat: “Não se pôde determinar a existência de cabanas, mas, somente, a de solos de alguns metros quadrados, dos quais cuidadosamente foram removidos os resíduos conchíferos que se acumulavam na vizinhança. As evidências de algumas estacas foram observadas de maneira muito esporádica e conseqüentemente não se pode falar em tipos de habitação.” (Arquivo do CEPA).

[8] Ao encaminhar correspondência para o encarregado do Programa Universitário da CAPES, em 14 de junho de 1956, Loureiro Fernandes apresentou o projeto de um Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas e de Paleontologia Humana (Arquivo do CEPA).

[9] Algumas dessas pesquisas contaram com a participação do arqueólogo Louis Denie Marie Pierre Neuville, um refugiado político francês que se havia manifestado favorável à independência da Argélia. Paulo Duarte pretendia incluí-lo nas atividades da Comissão de Pré-História de São Paulo mas, na impossibilidade de efetivá-lo no momento, encaminhou-o à Universidade do Paraná que o manteve por contrato durante o segundo semestre de 1957. Foi este um período de muitas desavenças com Joseph Emperaire, especialmente por motivos de ordem política.

[10] Vários alunos dos cursos do CEPA deram prosseguimento a sua formação, estagiando em instituições estrangeiras ou passaram a realizar pesquisas de campo em suas áreas de origem. Alguns do Paraná, nos intervalos dos cursos, levaram adiante as escavações nos locais utilizados como sítios-escola e, outros, desenvolveram pesquisas em novos sítios (ANDREATTA, 1968; CHMYZ, 1961/2; 1962; 1963a; 1963b; 1964a; 1964b; 1967; 1968a; 1968b; MENEZES, 1968; RAUTH; 1962; 1963; 1968).

No período em que o Museu Paranaense esteve sob mandato universitário, Oldemar Blasi realizou, com financiamento ou intermediação do CEPA, pesquisas nos sítios de Três Morrinhos e J. Lopes (BLASI, 1961; BLASI; CHMYZ, 1963) e, iniciou os estudos em Vila Rica do Espírito Santo (BLASI, 1963b). A abordagem que havia sido feita em Barracão e Dionísio Cerqueira (Paraná - Santa Catarina), por Joseph Emperaire e Vladimír Kozák em princípios de 1957 (LAMING; EMPERAIRE, 1959:114), foi continuada poucos anos depois por aquele autor (BLASI, 1965).

[11] Clifford Evans, um dos coordenadores científicos do Pronapa, ao historiá-lo na introdução do primeiro volume dos resultados preliminares, esclareceu que o Museu Paraense Emílio Goeldi fora designado pelo Conselho Nacional de Pesquisas, como seu agente, para a coordenação técnica do Programa, a ele atribuindo, também, a responsabilidade pela divulgação dos resultados científicos gerados (1967:12). O Museu Paraense estava subordinado, desde 1954, através do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, ao Conselho Nacional de Pesquisas. Esta Entidade, em sintonia com o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, havia aprovado o Programa financiado pela Smithsonian Institution de Washington D.C., tornando-se seu co-patrocinador.

[12] As grandes barracas de lona foram cedidas e armadas por determinação do Comando da Base Aérea de Curitiba. Reconhecida, a equipe do curso deliberou mudar o nome Aroeira, dado originalmente ao sítio, para Centenário como uma homenagem ao centenário de nascimento de Alberto Santos Dumont.

[13] Com a paralisação do CEPA e as dificuldades existentes no MAAP, cessaram os cursos de arqueologia promovidos pela Universidade Federal do Paraná. Isso, em parte, também foi em decorrência do ensino formal de arqueologia instituído no país. Na década de 1970, esboçaram-se cursos de graduação e pós-graduação em arqueologia no âmbito do Centro de Informação Arqueológica e do Centro Brasileiro de Arqueologia. O primeiro Centro, constituindo o Instituto Superior de Estudos Humanos obteve, do Conselho Federal de Educação, em fins de 1975, a autorização para o funcionamento do Curso de Graduação em Arqueologia junto à Faculdade de Arqueologia e Museologia Marechal Rondon (SOUZA, 1991:123).

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